Antes, não havia oposição ao posicionamento de certeza de haver um Deus, e os próprios filósofos teístas contestavam sua argumentação para validá-la. Muitas dessas contestações foram incorporadas posteriormente pelos ateus
Lloyd Strickland
professor de filosofia e história intelectual, Universidade Metropolitana de Manchester, Inglaterra
The Conversation
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Se Deus existe ou não é uma das questões filosóficas mais importantes que existe. E a tradição de tentar estabelecer a existência de Deus por meio de provas é longa, com uma idade de ouro durante os séculos XVII e XVIII — o início do período moderno.
As tentativas de provar a existência de Deus continuam até hoje. Mas não estão na mesma escala de há centenas de anos, sendo o secularismo agora tão comum entre os filósofos como o é entre a população em geral. E essa não é a única diferença que ocorreu desde aquela idade de ouro, que é o foco do meu novo livro, Proofs of God in Early Modern Europe (Provas de Deus na Europa Moderna).
A pergunta “Deus existe?” está perdendo a relevância que já teve |
Aqui estão três outras coisas que mudaram ao longo dos séculos:
1 - Fato razoável
Quando os pensadores contemporâneos tentam provar a existência de Deus, o seu objetivo é geralmente mostrar que é de fato razoável acreditar em Deus.Por exemplo, em Novas Provas para a Existência de Deus, Robert J Spitzer avança uma série de provas que juntas constituem evidências “capazes de fundamentar a crença razoável e responsável num poder superinteligente, transcendente e criativo”.
Tal objetivo teria parecido estranho aos primeiros filósofos modernos, porque naquela época a visão padrão era que a crença em Deus era perfeitamente razoável.
Tal objetivo teria parecido estranho aos primeiros filósofos modernos, porque naquela época a visão padrão era que a crença em Deus era perfeitamente razoável.
Na verdade, nos primeiros tempos modernos, a crença religiosa era tão difundida na Europa que a ideia de alguém negar sinceramente a existência de Deus era muitas vezes considerada absurda — se não impensável.
Então por que é que os primeiros filósofos modernos sentiram a necessidade de construir provas para algo que já era amplamente considerado verdadeiro?
Então por que é que os primeiros filósofos modernos sentiram a necessidade de construir provas para algo que já era amplamente considerado verdadeiro?
Frequentemente, eles procuravam provar a existência de Deus devido ao papel explicativo ou teórico central que Deus desempenhava em seu pensamento filosófico.
René Descartes (1596 – 1650) é autor da famosa afirmação de que provar a existência de um Deus perfeito era a única maneira de ter certeza da realidade do mundo externo.
René Descartes (1596 – 1650) é autor da famosa afirmação de que provar a existência de um Deus perfeito era a única maneira de ter certeza da realidade do mundo externo.
Ele sustentava que o que lhe parecia verdadeiro era realmente verdade, por não haver dúvida de que um Deus perfeito não se envolveria em engano nem lhe daria sentidos que não fossem confiáveis.
Para Baruch Spinoza (1632 −1677), estabelecer se Deus existe teve repercussões importantes não apenas sobre o que podemos saber sobre o mundo, mas também sobre como deveríamos viver.
Para Baruch Spinoza (1632 −1677), estabelecer se Deus existe teve repercussões importantes não apenas sobre o que podemos saber sobre o mundo, mas também sobre como deveríamos viver.
Ele acreditava que o maior contentamento possível que podemos experimentar nesta vida vem do nosso conhecimento da essência das coisas — que por sua vez vem da compreensão dos atributos de Deus. Quanto mais entendermos as coisas dessa maneira, menos seremos perturbados por emoções fortes e menos temeremos a morte.
Para os grandes pensadores do início da modernidade, portanto, estabelecer a existência de Deus era de suma importância.
2 - Confiança
Outra grande diferença entre os primeiros filósofos modernos e os de hoje é a confiança nas provas que apresentam. Mesmo o mais autoconfiante dos filósofos contemporâneos provavelmente afirmará que os seus argumentos apenas tornam provável a existência de Deus. Por exemplo, em The Existence of God, Richard Swinburne oferece uma variedade de provas que reúne para mostrar que a existência de Deus é mais provável do que não.Tal afirmação teria parecido inofensiva aos primeiros pensadores modernos, que invariavelmente viam as suas próprias provas como capazes de estabelecer a existência de Deus para além de qualquer dúvida razoável — ou mesmo de a demonstrar.
Na verdade, alguns pensadores, como John Locke (1632–1704), consideraram que as suas provas estavam no mesmo nível das demonstrações matemáticas, de modo que qualquer pessoa que encontrasse as provas não poderia deixar de ser convencida por elas, desde que as suas faculdades racionais estavam intactas.
3 - Oponentes
Mas talvez a maior diferença entre as tentativas contemporâneas e as do início da modernidade de provar a existência de Deus resida na fonte da oposição a essas provas. Muitos daqueles que hoje se opõem aos esforços para provar a existência de Deus são ateus, que afirmam que Deus não existe, ou agnósticos, que são neutros quanto à existência ou não de Deus. Tanto os ateus como os agnósticos têm interesse em minar as provas da existência de Deus.Nos séculos XVII e XVIII, porém, os ateus e agnósticos eram raros (alguns até dizem que não existiram durante grande parte desse tempo), e aqueles que existiam por perto tendiam a não ser muito expressivos.
Contudo, isto não significava que as provas da existência de Deus não tivessem oposição. Os primeiros pensadores modernos foram treinados na disputa e na prática de lidar com objeções aos seus próprios pontos de vista. Se não houvesse oponentes reais aos seus pontos de vista, então eles eram encorajados a inventá-los e a apresentar objeções que esses oponentes imaginários pudessem fazer.
Alguns, como Voltaire (1694 −1778), ficaram tão entusiasmados com isso que gastaram muito mais tempo considerando objeções às suas provas do que delineando as próprias provas. O objetivo do exercício era que os teístas pudessem então refutar todas as objeções possíveis — e colocar a sua visão numa base mais firme.
Embora tal prática possa fazer sentido acadêmico, ela teve uma consequência imprevista. As objeções sofisticadas que os primeiros teístas modernos levantaram contra as suas próprias provas e as dos seus contemporâneos acabaram por ser adotadas por pensadores ateus posteriores, que desenvolveram e reforçaram essas objecções num esforço para colocar o ateísmo numa base racional sólida.
Assim, ao inventarem objeções às suas próprias provas, os primeiros filósofos modernos ajudaram inadvertidamente a alimentar a subsequente ascensão do ateísmo — tornando-o uma posição intelectualmente mais respeitável.
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