Pular para o conteúdo principal

A luta e o legado do cientista César Lattes

Em julho de 2024 serão comemorados os 100 anos do nascimento de Cesare Lattes — que é provavelmente, até hoje, o pesquisador brasileiro que chegou mais perto de um prêmio Nobel



Leonardo Capeleto
pesquisador do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá

Agência Bori

Quando cientistas iniciam suas carreiras no Brasil, se deparam com Lattes: um banco de currículos científicos atualizado pelos pesquisadores que atuam no país. Porém, muitos dos que utilizam a plataforma ainda desconhecem o pesquisador homenageado pela plataforma, César Lattes, e sua luta pela valorização da ciência brasileira.

Cesare Mansueto Giulio Lattes, mais conhecido como César Lattes, nasceu em 1924 em Curitiba. Filho de imigrantes italianos, estudou em Porto Alegre e em São Paulo. Em 1941, um ano antes do Brasil entrar na Segunda Guerra Mundial, iniciou seus estudos no curso de Física da Universidade de São Paulo (USP). Se formou em 1943, aos 19 anos. Fluente em italiano, Lattes trabalhou na mesma instituição como assistente do físico ítalo-ucraniano, Gleb Wataghin e com o físico italiano, Giuseppe Occhialini.

Com o fim da guerra, Lattes foi para a Universidade de Bristol trabalhar no laboratório de Cecil Powell com emulsões de chapas fotográficas usadas para capturar a trajetória de raios cósmicos. No fim do mesmo ano, Occhialini expôs chapas durante suas férias, com maior quantidade de “bórax” proposta por Lattes, nos Pirineus franceses. 

Nestas chapas, os pesquisadores encontraram rastros de uma partícula prevista dez anos antes pelo japonês Hideki Yukawa: o “méson pi” ou “píon”. Para confirmar o achado e ter melhores registros, as placas precisariam ser expostas em altitudes mais altas. Em 1947, Lattes foi para o Monte Chacaltaya, nos Andes bolivianos.

Os resultados destas pesquisas foram publicados por Lattes, Occhialini e Powell em artigos na revista Nature no mesmo ano. Em função destas descobertas, Yukawa foi premiado com o Nobel de Física de 1949 e Powel, em 1950: “pelo desenvolvimento do método fotográfico de estudo de processos nucleares e por suas descobertas sobre mésons feitas com este método”. 

Até aquele momento, o prêmio Nobel era concedido apenas ao líder e orientador do projeto de pesquisa. Lattes e Occhialini jamais receberam o prêmio por suas descobertas, apesar das sete indicações ao Nobel.



Lattes trabalhou nos Estados
Unidos, preferindo voltar ao
Brasil em apoio à ciência do país
FOTO: WIKIMEDIA

Mesmo sem o merecido prêmio, o reconhecimento das pesquisas alavancou a carreira de Lattes. Alguns anos depois, trabalhou no maior acelerador de partículas do mundo, na Universidade da Califórnia. E em 1949, no auge de sua fama, retornou ao Brasil, sendo recebido como celebridade. 

Nos anos seguintes, contribuiu com a criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) — sendo homenageado com o lançamento da Plataforma Lattes em 1999. César Lattes morreu em 2005, aos 80 anos.

Lattes lutou pela pesquisa brasileira e, mesmo em meio a oportunidades externas e conflitos internos, escolheu permanecer no país. Atualmente, mais de 70 anos depois destes eventos, o Brasil ainda não possui nenhum Nobel, seus pesquisadores ainda brigam por investimentos e o país busca soluções para evitar a “fuga de cérebros”. 

Prêmios de nível internacional demandam investimentos de nível internacional. E em meio a tantos desafios científicos e cobranças por publicações e protagonismo internacional, os pesquisadores ainda precisam lutar constantemente contra os cortes na ciência brasileira.

Quando retornou para o Brasil, em uma carta a um colega, Lattes escreveu: “Prefiro ajudar a construir a ciência no Brasil a ganhar um Nobel”. Que os cem anos de César Lattes sirvam de inspiração: tanto para os novos pesquisadores que criam seus currículos na Plataforma, quanto para aqueles que investem na ciência brasileira.

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Em vídeo, Malafaia pede voto para Serra e critica Universal e Lula

Malafaia disse que Lula está fazendo papel de "cabo eleitoral ridículo" A seis dias das eleições, o pastor Silas Malafaia (foto), da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, gravou um vídeo de 8 minutos [ver abaixo] pedindo votos para o candidato à prefeitura de São Paulo José Serra (PSDB) e criticou a Igreja Universal e o ex-presidente José Inácio Lula da Silva. Malafaia começou criticando o preconceito que, segundo ele, existe contra pastor que emite opinião sobre política, o mesmo não ocorrendo com outros cidadãos, como operários, sindicalistas, médicos e filósofos. O que não pode, afirmou, é a Igreja, como instituição, se posicionar politicamente. “A Igreja é de Jesus.” Ele falou que tinha de se manifestar agora porque quem for para o segundo turno, se José Serra ou se Fernando Haddad, é quase certeza que será eleito, porque Celso Russomanno está caindo nas pesquisas por causa do apoio que tem recebido da Igreja Universal. Afirmou que apoia Serra na expectativa de...

Eleição de Haddad significará vitória contra religião, diz Chaui

Marilena Chaui criticou o apoio de Malafaia a Serra A seis dias das eleições do segundo turno, a filósofa e professora Marilena Chaui (foto), da USP, disse ontem (23) que a eleição em São Paulo do petista Fernando Haddad representará a vitória da “política contra a religião”. Na pesquisa mais recente do Datafolha sobre intenção de votos, divulgada no dia 19, Haddad estava com 49% contra 32% do tucano José Serra. Ao participar de um encontro de professores pró-Haddad, Chaui afirmou que o poder vem da política, e não da “escolha divina” de governantes. Ela criticou o apoio do pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus do Rio, a Serra. Malafaia tem feito campanha para o tucano pelo fato de o Haddad, quando esteve no Ministério da Educação, foi o mentor do frustrado programa escolar de combate à homofobia, o chamado kit gay. Na campanha do primeiro turno, Haddad criticou a intromissão de pastores na política-partidária, mas agora ele tem procurado obter o apoio dos religi...

Wyllys luta contra a 'poderosa direita religiosa', diz Guardian

Jornal dedicou texto de 700 palavras ao deputado Wyllys disse que se sente como um Don Quixote O jornal britânico The Guardian afirmou que o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), 37, na foto, tem sido um guerreiro contra a poderosa direita religiosa brasileira. Nesse embate, afirmou o jornal, “o primeiro deputado federal assumidamente homossexual do Brasil precisa de todo o apoio que puder conseguir”. Comparou Wyllys a Havey Milk (1930-1978), que foi o primeiro político gay assumido dos Estados Unidos  - ele foi assassinado. Wyllys disse ao The Guardian que às vezes, nessa batalha, se sente como dom Quixote. “É uma batalha difícil de combater, mas essa é a minha vocação.” Ele afirmou que pregadores radicais evangélicos avançaram “silenciosamente nos corações e mentes” dos brasileiros. “Agora, estamos começando a perceber a força política em que se tornaram.” Para o deputado, os pastores radicais estão com “as mãos sujas de sangue” porque a sua pregação ince...

Entidades religiosas vão poder questionar leis, prevê emenda

Autor da emenda é o deputado evangélico João Campos A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) da Câmara aprovou hoje a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 99/11 que concede às entidades religiosas de âmbito nacional o direito de propor ação direita de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade ao STF (Supremo Tribunal Federal). O autor da PEC é o deputado João Campos (PSDB-GO), que é também presidente da Frente Parlamentar Evangélica. Para ser submetida à votação, no plenário, a proposta ainda terá de ser aprovada por uma comissão especial, em prazo não previsto. Caso ela seja aprovada pelo plenário da Câmara, entidades como o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil, a Convenção Batista Nacional e a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros) estarão habilitadas a questionar leis relacionadas ao aborto, concessão de direitos aos homossexuais e outros temas de interesse dos religiosos. Tweet ...

Sottomaior responde a Gandra: fundamentalismo ateu é ficção

Título original: O fundamentalismo de cada dia por Daniel Sottomaior para Folha em resposta a Integrante da Opus Dei critica o ‘fundamentalismo ateu’ brasileiro Sottomaior é presidente da  Associação Brasileira  dos Ateus e Agnósticos Segundo Ives Gandra, em recente artigo nesta Folha ("Fundamentalismo ateu", 24/11), existe uma coisa chamada "fundamentalismo ateu", que empreende "guerra ateia contra aqueles que vivenciam a fé cristã". Nada disso é verdade, mas fazer os religiosos se sentirem atacados por ateus é uma estratégia eficaz para advogados da cúria romana. Com o medo, impede-se que indivíduos possam se aproximar das linhas do livre-pensamento. É bom saber que os religiosos reconhecem o dano causado pelo fundamentalismo, mas resta deixar bem claro que essa conta não pode ser debitada também ao ateísmo. Os próprios simpatizantes dos fundamentos do cristianismo, que pregam aderência estrita a eles, criaram a palavra "fund...

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Livro mostra o que a Bíblia tem de bizarro, hilário e perturbador

O jornalista americano David Plotz ficou surpreso ao descobrir na Bíblia que Deus tem obsessão por carecas.

Russas podem pegar até 7 anos de prisão por protesto em catedral

Protesto das roqueiras Y ekaterina Samutsevich, Nadezhda  Tolokonnikova  e Maria Alyokhina durou apenas 1m52 por Juliana Sayuri para Estadão Um protesto de 1 minuto e 52 segundos no dia 21 de fevereiro [vídeo abaixo]. Por esse fato três roqueiras russas podem pagar até 7 anos de prisão. Isso porque o palco escolhido para a performance foi a Catedral de Cristo Salvador de Moscou. No altar, as garotas da banda Pussy Riot tocaram a prece punk Holy Shit , que intercala hinos religiosos com versos diabólicos como Virgin Mary, hash Putin away . Enquanto umas arranhavam nervosos riffs de guitarra, outras saltitavam, faziam o sinal da cruz e dançavam cancã como possuídas. As freiras ficaram escandalizadas. Os guardas, perdidos. Agora as rebeldes Yekaterina Samutsevich  (foto), Nadezhda Tolokonnikova (foto) e  Maria Alyokhina (foto) e  ocupam o banco dos réus no tribunal Khamovnichesky de Moscou, acusadas de vandalismo e ódio religioso. Na catedral, as...