Pular para o conteúdo principal

A tecnologia rouba seu tempo, e você nem percebe. Como recuperá-lo?

Há cada vez mais tarefas digitais, e as pessoas acham que precisam estar sempre fazendo alguma coisa


Ruth Ogden
professora de psicologia do tempo, Liverpool John Moores University, Reino Unido

Joanna Witowska
professora assistente de psicologia, Universidade Maria Grzegorzewska, Varsóvia, Polônia

Vanda Černohorská
pesquisadora de pós-doutorado, Academia Tcheca de Ciências, Tchecoslováquia

The Conversation
plataforma de informação e análise produzida por acadêmicos e jornalistas

A tecnologia deveria tornar nossas vidas mais fáceis. Os smartphones fornecem uma janela para o mundo do tamanho da palma da mão, permitindo-nos fazer quase tudo com o toque de um botão. As casas inteligentes cuidam de si mesmas e as reuniões virtuais significam que, para muitos, o tempo gasto no deslocamento é coisa do passado.

Portanto, deveríamos ter mais tempo livre. Tempo que agora é gasto dormindo, relaxando ou simplesmente não fazendo nada — certo?

Se a ideia de que você tem mais tempo do que nunca o faz engasgar com o café, você não está sozinho. Há cada vez mais provas de que, embora a tecnologia digital possa ajudar-nos a poupar algum tempo, acabamos por utilizar esse tempo para fazer cada vez mais coisas.

Entrevistamos recentemente 300 pessoas em toda a Europa para compreender como utilizam os dispositivos digitais na vida quotidiana. Essa pesquisa mostrou que as pessoas querem evitar períodos vazios em suas vidas, preenchendo esses períodos realizando tarefas, algumas das quais não seriam possíveis sem a tecnologia.


A expectativa era que a
tecnologia aumentasse
o nosso tempo livre, mas
agora há mais trabalho

FOTO: SHUTTERSTOCK

Seja esperando o ônibus, acordando ou deitados na cama à noite, os participantes da pesquisa relataram que o tempo que antes estaria “vazio” agora estava preenchido com aplicativos de treinamento cerebral, criando listas de coisas que deveriam fazer ou tentar com base em seu feed de mídia social e apps diversos.

Parece que os momentos tranquilos em que as pessoas observam, imaginam e sonham acordadas estão agora repletos de tarefas baseadas na tecnologia.

O crescimento das tarefas digitais está acontecendo, em parte, porque a tecnologia parece mudar a nossa percepção sobre para que serve o tempo livre. Para muitas pessoas, já não basta simplesmente jantar, ver televisão ou talvez fazer uma aula de ginástica.

Em vez disso, na tentativa de evitar perda de tempo, essas atividades são realizadas enquanto navegamos na web em busca dos ingredientes para uma vida mais perfeita e tentando desenvolver um sentimento de realização.

À primeira vista, algumas dessas tarefas podem parecer exemplos de como a tecnologia nos poupa tempo. Em teoria, o banco online deveria significar que tenho mais tempo porque não preciso mais ir ao banco na hora do almoço. No entanto, nossa pesquisa sugere que esse não é o caso. A tecnologia está contribuindo para uma forma de vida mais densa.

As mídias sociais podem, às vezes, inspirar, motivar ou relaxar as pessoas. Mas a nossa investigação sugere que as pessoas muitas vezes sentem culpa, vergonha e arrependimento após preencherem o seu tempo livre com atividades online. Isso ocorre porque eles consideram as atividades online menos autênticas e valiosas do que as atividades do mundo real.

Parece que as pessoas ainda consideram mais valioso dar um passeio ou estar com os amigos do que estar online. Talvez se desligarmos um pouco mais o telefone, teremos tempo para realmente preparar aquelas receitas que assistimos online.

Por que a tecnologia está criando trabalho?

Pensa-se também que a mudança dos padrões de trabalho intensifica o trabalho. O trabalho doméstico e híbrido, possibilitado pela tecnologia de videoconferência, confundiu as fronteiras entre o tempo de trabalho e o tempo pessoal. Agora que o escritório está no quarto de hóspedes, é muito fácil pensar: “Vou entrar no escritório e terminar depois de colocar as crianças na cama”.

As tecnologias digitais estão acelerando o ritmo de vida. Faça reuniões por e-mail e online. Antes de existirem, tínhamos que esperar respostas a mensagens de voz e cartas, ou viajar para lugares para falar uns com os outros. Em vez disso, agora temos reuniões on-line consecutivas, às vezes sem tempo suficiente entre elas para nem sequer ir ao banheiro.


Uma tecnologia mal concebida também pode forçar-nos a trabalhar mais devido à ineficiência que cria. Todos nós já passamos por isso, inserindo informações no sistema A apenas para aprender que, como os sistemas A e B não se comunicam, temos que inserir tudo duas vezes.

Ao fazer mais, podemos acabar conseguindo menos e nos sentindo pior. À medida que o tempo fica mais pressionado, o estresse, a exaustão e o esgotamento aumentam, resultando em maior afastamento do trabalho.

Como recuperar nosso tempo?

Recuperar o tempo “economizado” pela tecnologia pode exigir uma mudança na forma como proporcionamos o tempo. Para nos libertarmos do hábito de preencher o tempo com cada vez mais tarefas, devemos primeiro aceitar que às vezes não há problema em fazer pouco ou nada.

No ambiente de trabalho, empregadores e empregados precisam criar um ambiente no qual a desconexão seja a norma e não a exceção. Isto significa ter expectativas realistas sobre o que pode e deve ser alcançado num dia normal de trabalho.

Mas o desenvolvimento de legislação que consagre o direito de desligar pode ser a única forma de garantir que a tecnologia deixe de dominar o nosso tempo. Vários países europeus, como a França e a Itália, já têm o direito de desligar a legislação.

Isto especifica que os funcionários não têm obrigação de ser contactáveis ​​fora do seu horário de trabalho e que têm o direito de recusar levar trabalho digital para casa.

Também é possível que a própria tecnologia seja a chave para recuperar o nosso tempo. Imagine se, em vez de dizer para você se levantar e se movimentar (mais uma tarefa), seu relógio inteligente lhe dissesse para parar de trabalhar porque completou o horário contratado. Talvez quando a tecnologia começar a nos dizer para fazer menos, finalmente recuperaremos o tempo.
  • Sou da época em que o telefone só fazia trimmm!

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Wyllys luta contra a 'poderosa direita religiosa', diz Guardian

Jornal dedicou texto de 700 palavras ao deputado Wyllys disse que se sente como um Don Quixote O jornal britânico The Guardian afirmou que o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), 37, na foto, tem sido um guerreiro contra a poderosa direita religiosa brasileira. Nesse embate, afirmou o jornal, “o primeiro deputado federal assumidamente homossexual do Brasil precisa de todo o apoio que puder conseguir”. Comparou Wyllys a Havey Milk (1930-1978), que foi o primeiro político gay assumido dos Estados Unidos  - ele foi assassinado. Wyllys disse ao The Guardian que às vezes, nessa batalha, se sente como dom Quixote. “É uma batalha difícil de combater, mas essa é a minha vocação.” Ele afirmou que pregadores radicais evangélicos avançaram “silenciosamente nos corações e mentes” dos brasileiros. “Agora, estamos começando a perceber a força política em que se tornaram.” Para o deputado, os pastores radicais estão com “as mãos sujas de sangue” porque a sua pregação ince...

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...

Delírios bolsonaristas

Sottomaior responde a Gandra: fundamentalismo ateu é ficção

Título original: O fundamentalismo de cada dia por Daniel Sottomaior para Folha em resposta a Integrante da Opus Dei critica o ‘fundamentalismo ateu’ brasileiro Sottomaior é presidente da  Associação Brasileira  dos Ateus e Agnósticos Segundo Ives Gandra, em recente artigo nesta Folha ("Fundamentalismo ateu", 24/11), existe uma coisa chamada "fundamentalismo ateu", que empreende "guerra ateia contra aqueles que vivenciam a fé cristã". Nada disso é verdade, mas fazer os religiosos se sentirem atacados por ateus é uma estratégia eficaz para advogados da cúria romana. Com o medo, impede-se que indivíduos possam se aproximar das linhas do livre-pensamento. É bom saber que os religiosos reconhecem o dano causado pelo fundamentalismo, mas resta deixar bem claro que essa conta não pode ser debitada também ao ateísmo. Os próprios simpatizantes dos fundamentos do cristianismo, que pregam aderência estrita a eles, criaram a palavra "fund...

Menina morta por jejum religioso deixou diário com relatos de maus-tratos

História das traduções da Bíblia é marcada por muito ódio