Pular para o conteúdo principal

Conjunto de estudos mostra danos da Covid-19 na cognição. Até queda de QI

Cientistas constaram que a infecção pelo coronavírus pode afetar a saúde do cérebro de várias formas, como falta de concentração, confusão mental e falha de lembrança. Ainda não se sabe como isso ocorre


Ziyad Al-Aly
epidemiologista clínico, Universidade de Washington em St. Louis, Estados Unidos

The Conversation
plataforma de informação e análise produzida por acadêmicos e jornalistas

Desde os primeiros dias da pandemia, a confusão mental emergiu como um problema de saúde significativo que muitos vivenciam após a Covid-19.

Névoa cerebral é um termo coloquial que descreve um estado de lentidão mental ou falta de clareza e nebulosidade que dificulta a concentração, lembrar de coisas e pensar com clareza.

Quatro anos depois, existem agora provas abundantes de que a infecção pelo SARS-CoV-2 — o vírus que causa a Covid-19 — pode afetar a saúde do cérebro de várias formas.

Além da confusão mental, a Covid-19 pode causar uma série de problemas, incluindo dores de cabeça, convulsões, derrames, problemas de sono e formigamento e paralisia dos nervos, bem como vários distúrbios de saúde mental.

Queda de QI chega
a ser de nove pontos

Um grande e crescente conjunto de evidências acumuladas ao longo da pandemia detalha as muitas maneiras pelas quais a Covid-19 deixa uma marca indelével no cérebro. Mas como isso acontece ainda não foi elucidado e os tratamentos de cura são inexistentes.

Agora, dois novos estudos publicados no New England Journal of Medicine lançam mais luz sobre o impacto profundo da Covid-19 na saúde cognitiva.

Sou um médico cientista e tenho me dedicado ao estudo da Covid longa desde os primeiros relatos dos pacientes sobre essa condição — mesmo antes do termo “Covid longa” ser cunhado. Testemunhei perante o Senado dos Estados Unidos como perito no longo Covid e publiquei extensivamente sobre este tópico.

Marca no cérebro

Aqui estão alguns dos estudos mais importantes até o momento que documentam como a Covid-19 afeta a saúde do cérebro:

• Grandes análises epidemiológicas mostraram que as pessoas que tiveram Covid-19 corriam um risco aumentado de déficits cognitivos, como problemas de memória.

• Estudos de imagem realizados em pessoas antes e depois das infecções por Covid-19 mostram redução do volume cerebral e alteração da estrutura cerebral após a infecção.

• Um estudo com pessoas com Covid-19 leve a moderado mostrou inflamação prolongada significativa do cérebro e alterações proporcionais a sete anos de envelhecimento cerebral.

• A Covid-19 grave que requer hospitalização ou cuidados intensivos pode resultar em défices cognitivos e outros danos cerebrais equivalentes a 20 anos de envelhecimento.

• Experimentos de laboratório em organoides cerebrais humanos e de camundongos projetados para emular mudanças no cérebro humano mostraram que a infecção por SARS-CoV-2 desencadeia a fusão de células cerebrais. Isso efetivamente provoca um curto-circuito na atividade elétrica cerebral e compromete a função.

• Estudos de autópsia de pessoas que tiveram Covid-19 grave, mas morreram meses depois por outras causas, mostraram que o vírus ainda estava presente no tecido cerebral. Isto fornece evidências de que, ao contrário do seu nome, o SARS-CoV-2 não é apenas um vírus respiratório, mas também pode entrar no cérebro de alguns indivíduos. Mas ainda não está claro se a persistência do vírus no tecido cerebral está provocando alguns dos problemas cerebrais observados em pessoas que tiveram a doença.

• Estudos mostram que mesmo quando o vírus é ligeiro e está confinado exclusivamente aos pulmões, ainda pode provocar inflamação no cérebro e prejudicar a capacidade de regeneração das células cerebrais.

A Covid-19 também pode perturbar a barreira hematoencefálica, o escudo que protege o sistema nervoso — o centro de controle e comando dos nossos corpos — tornando-o “permeável”. Estudos que usaram imagens para avaliar o cérebro de pessoas hospitalizadas com o vírus mostraram barreiras hematoencefálicas rompidas ou com vazamento naqueles que experimentaram confusão mental.

• Uma grande análise preliminar que reuniu dados de 11 estudos abrangendo quase 1 milhão de pessoas com Covid-19 e mais de 6 milhões de indivíduos não infectados mostrou que a contaminação pelo vírus aumentou o risco de desenvolvimento de demência de início recente em pessoas com mais de 60 ano.

Quedas no QI

Mais recentemente, um novo estudo publicado no New England Journal of Medicine avaliou capacidades cognitivas como memória, planejamento e raciocínio espacial em quase 113.000 pessoas que já tinham tido Covid-19. 


Os pesquisadores descobriram que aqueles que foram infectados apresentavam déficits significativos de memória e desempenho de tarefas executivas.

Esse declínio foi evidente entre os infectados na fase inicial da pandemia e entre os infectados quando as variantes delta e omicron eram dominantes. Essas descobertas mostram que o risco de declínio cognitivo não diminuiu à medida que o vírus pandêmico evoluiu da estirpe ancestral para o micron.

No mesmo estudo, aqueles que tiveram Covid-19 leve e resolvido apresentaram declínio cognitivo equivalente a uma perda de QI de três pontos. 

Em comparação, aqueles com sintomas persistentes não resolvidos, como pessoas com falta de ar persistente ou fadiga, tiveram uma perda de seis pontos no QI. Aqueles que foram internados na unidade de terapia intensiva por Covid-19 tiveram uma perda de nove pontos no QI. 

A reinfecção com o vírus contribuiu para uma perda adicional de dois pontos no QI, em comparação com a ausência de reinfecção.

Geralmente, o QI médio é de cerca de 100. Um QI acima de 130 indica um indivíduo altamente dotado, enquanto um QI abaixo de 70 geralmente indica um nível de deficiência intelectual que pode exigir apoio social significativo.

Para colocar em perspectiva as conclusões do estudo do New England Journal of Medicine, estimo que uma redução de três pontos no QI aumentaria o número de adultos norte-americanos com um QI inferior a 70, de 4,7 milhões para 7,5 milhões — um aumento de 2,8 milhões. São pessoas com nível de comprometimento cognitivo que requer apoio social significativo.

Outro estudo publicado na mesma edição do New England Journal of Medicine envolveu mais de 100.000 noruegueses entre março de 2020 e abril de 2023. Documentou pior função de memória em vários momentos até 36 meses após um teste SARS-CoV-2 positivo.

Implicações

No seu conjunto, esses estudos mostram que a Covid-19 representa um risco grave para a saúde do cérebro, mesmo em casos ligeiros, e os efeitos estão agora sendo revelados na população.

Uma análise recente do Inquérito à População Atual dos EUA mostrou que, após o início da pandemia da Covid-19, mais 1 milhão de pessoas em idade ativa relataram ter “sérias dificuldades” em lembrar, concentrar-se ou tomar decisões do que em qualquer momento nos 15 anos anteriores. O mais desconcertante é que isto foi impulsionado principalmente por adultos jovens com idades entre 18 e 44 anos.

Os dados da União Europeia mostram uma tendência semelhante — em 2022, 15% das pessoas na UE relataram problemas de memória e concentração.

Olhando para o futuro, será fundamental identificar quem está em maior risco. É também necessária uma melhor compreensão de como essas tendências podem afetar o sucesso educativo das crianças e dos jovens adultos e a produtividade econômica dos adultos em idade ativa. E também não está claro até que ponto essas mudanças irão influenciar a epidemiologia da demência e da doença de Alzheimer.

O crescente conjunto de pesquisas confirma agora que a Covid-19 deve ser considerado um vírus com um impacto significativo no cérebro. As implicações são de longo alcance, desde os indivíduos que enfrentam dificuldades cognitivas até ao impacto potencial nas populações e na economia.

Levantar a névoa sobre as verdadeiras causas por trás dessas deficiências cognitivas, incluindo a confusão mental, exigirá anos, senão décadas, de esforços concentrados por parte de investigadores em todo o mundo.


> Este artigo foi publicado originalmente em inglês.


Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Dawkins é criticado por ter 'esperança' de que Musk não seja tão estúpido como Trump

Tibetanos continuam se matando. E Dalai Lama não os detém

O Prêmio Nobel da Paz é "neutro" em relação às autoimolações Stephen Prothero, especialista em religião da Universidade de Boston (EUA), escreveu um artigo manifestando estranhamento com o fato de o Dalai Lama (foto) se manter neutro em relação às autoimolações de tibetanos em protesto pela ocupação chinesa do Tibete. Desde 16 de março de 2011, mais de 40 tibetanos se sacrificaram dessa dessa forma, e o Prêmio Nobel da Paz Dalai Lama nada fez para deter essa epidemia de autoimolações. A neutralidade, nesse caso, não é uma forma de conivência, uma aquiescência descompromissada? Covardia, até? A própria opinião internacional parece não se comover mais com esse festival de suicídios, esse desprezo incandescente pela vida. Nem sempre foi assim, lembrou Prothero. Em 1963, o mundo se comoveu com a foto do jornalista americano Malcolm Wilde Browne que mostra o monge vietnamita Thich Quang Duc colocando fogo em seu corpo em protesto contra a perseguição aos budistas pelo

Proibido o livro do padre que liga a umbanda ao demônio

Padre Jonas Abib foi  acusado da prática de  intolerância religiosa O Ministério Público pediu e a Justiça da Bahia atendeu: o livro “Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação”, do padre Jonas Abib (foto), terá de ser recolhido das livrarias por, nas palavras do promotor Almiro Sena, conter “afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto”. O padre Abib é ligado à Renovação Carismática, uma das alas mais conservadoras da Igreja Católica. Ele é o fundador da comunidade Canção Nova, cuja editora publicou o livro “Sim, Sim!...”, que em 2007 vendeu cerca de 400 mil exemplares, ao preço de R$ 12,00 cada um, em média. Manuela Martinez, da Folha, reproduz um trecho do livro: "O demônio, dizem muitos, "não é nada criativo". (...) Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde no

Condenado por estupro, pastor Sardinha diz estar feliz na cadeia

Pastor foi condenado  a 21 anos de prisão “Estou vivendo o melhor momento de minha vida”, diz José Leonardo Sardinha (foto) no site da Igreja Assembleia de Deus Ministério Plenitude, seita evangélica da qual é o fundador. Em novembro de 2008 ele foi condenado a 21 anos de prisão em regime fechado por estupro e atentado violento ao pudor. Sua vítima foi uma adolescente que, com a família, frequentava os cultos da Plenitude. A jovem gostava de um dos filhos do pastor, mas o rapaz não queria saber dela. Sardinha então disse à adolescente que tinha tido um sonho divino: ela deveria ter relações sexuais com ele para conseguir o amor do filho, e a levou para o motel várias vezes. Mas a ‘profecia’ não se realizou. O Sardinha Jr. continuou não gostando da ingênua adolescente. No texto publicado no site, Sardinha se diz injustiçado pela justiça dos homens, mas em contrapartida, afirma, Deus lhe deu a oportunidade de levar a palavra Dele à prisão. Diz estar batizando muita gen

Veja os 10 trechos mais cruéis da Bíblia

Profecias de fim do mundo

O Juízo Final, no afresco de Michangelo na Capela Sistina 2033 Quem previu -- Religiosos de várias épocas registraram que o Juízo Final ocorrerá 2033, quando a morte de cristo completará 2000. 2012 Quem previu – Religiosos e teóricos do apocalipse, estes com base no calendário maia, garantem que o dia do Juízo Final ocorrerá em dezembro, no dia 21. 2011 Quem previu – O pastor americano Harold Camping disse que, com base em seus cálculos, Cristo voltaria no dia 21 de maio, quando os puros seriam arrebatados e os maus iriam para o inferno. Alguns desastres naturais, como o terremoto seguido de tsunami no Japão, serviram para reforçar a profecia. O que ocorreu - O fundador do grupo evangélico da Family Radio disse estar "perplexo" com o fato de a sua profecia ter falhado. Ele virou motivo de piada em todo o mundo. Camping admitiu ter errado no cálculo e remarcou da data do fim do mundo, que será 21 de outubro de 2011. 1999 Quem previu – Diversas profecias

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa

Santuário Nossa Senhora Aparecida fatura R$ 100 milhões por ano

Basílica atrai 10 milhões de fiéis anualmente O Santuário de Nossa Senhora de Aparecida é uma empresa da Igreja Católica – tem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) – que fatura R$ 100 milhões por ano. Tudo começou em 1717, quando três pescadores acharam uma imagem de Nossa Senhora no rio Paraíba do Sul, formando-se no local uma vila que se tornou na cidade de Aparecida, a 168 km de São Paulo. Em 1984, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) concedeu à nova basílica de Aparecida o status de santuário, que hoje é uma empresa em franca expansão, beneficiando-se do embalo da economia e do fortalecimento do poder aquisitivo da população dos extratos B e C. O produto dessa empresa é o “acolhimento”, disse o padre Darci José Nicioli, reitor do santuário, ao repórter Carlos Prieto, do jornal Valor Econômico. Para acolher cerca de 10 milhões de fiéis por ano, a empresa está investindo R$ 60 milhões na construção da Cidade do Romeiro, que será constituída por trê