As principais argumentações pelo consumo de vegetais para poupar os animais perduram até hoje
Philippe Le Doze
Philippe Le Doze
professor de historia antiga, Université Rennes 2, França
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O Salon de l'Agriculture abriu suas portas no dia 24 de fevereiro em Paris, oferecendo uma vitrine incomparável para os criadores franceses. Essa reunião anual recebe uma forte resposta nos meios de comunicação social, ao mesmo tempo que se depara com uma exigência cada vez mais partilhada de redução do consumo de carne , ou mesmo de incentivo à abstinência. Este hiato ecoa um debate antigo, uma vez que a questão do vegetarianismo (o termo ainda não existia) já estava muito presente na Antiguidade Grega e Romana.
Apoiado em personalidades como Pitágoras, Empédocles, Apolónio de Tiana, Plutarco e Porfírio, esse discurso distingue-se pela sua modernidade.
Na verdade, o discurso dos atuais vegetarianos e veganos muitas vezes ressoa com o dos seus antecessores distantes. Foram apresentados três tipos principais de argumentos, cada autor favorecendo alguns deles, dependendo da sua sensibilidade.
1 - O princípio da precaução
Esse princípio surge entre certos vegetarianos da crença na imortalidade da alma e na sua potencial migração de um corpo para outro, humano ou animal (metempsicose).
O consumo de carne conduzia, portanto, a um risco de canibalismo expressamente denunciado por Empédocles. Uma anedota conta que certo dia Pitágoras, que passava perto de um homem que maltratava seu cachorro, ficou indignado: "Pare de bater!” Ouvi dizer que sua alma é a de um amigo que pude reconhecer pelo sotaque de sua voz".
Nem todos os vegetarianos partilhavam esta crença, nem o resto dos seus contemporâneos. É por isso que o jovem Sêneca, outrora adepto da abstinência de carne, defendeu o princípio da precaução: se existe metempsicose, a abstinência de carne salva do crime; caso contrário, ainda conduz ao caminho da sobriedade.
Plutarco acrescenta: certamente, a metempsicose é incerta, mas a ausência de provas inegáveis deve encorajar a cautela.
2 - Para justiça
Esse é sem dúvida o argumento mais invocado hoje. Plutarco distingue a realidade dos primeiros humanos, quando a agricultura ainda não tinha sido inventada, daquela do seu tempo.
A caça era então uma necessidade e não poderia, portanto, ser injusta. Além disso, foram mortos animais selvagens perigosos, e não animais dóceis e pacíficos. Mas agora, acrescenta Plutarco, os humanos estão cheios de comida. Assim, já não matam para viver, mas para satisfazer os seus sentidos: a necessidade deu lugar à tirania dos prazeres.
E para especificar: os tratamentos cruéis que os humanos submetem aos animais para tornar a sua carne mais delicada (por exemplo, arrancar os olhos dos cisnes antes de os engordar para dar um sabor melhor à sua carne) provam que a necessidade já não é necessária. o que leva alguém a comer carne.
Pior ainda, os humanos construíram brechas para evitar qualquer má consciência: não só se convenceram de que os gritos emitidos pelos animais mortos são apenas sons inarticulados, em vez de orações que indicam interesse em viver. Mas a maioria preferiu atribuir a responsabilidade pelo ato de matar em outros (açougueiros, caçadores), como para melhor esquecer a origem do cadáver, incumbiram então os cozinheiros de usar sua arte para mascarar o “horror do assassinato”.
As palavras de Plutarco funcionam como um apelo para se considerar o ponto de vista do animal.
Porfírio junta-se a ele quando tenta impor a ideia de que os existentes diferem não por natureza, mas em grau, o que Aristóteles já havia sugerido sem tirar consequências práticas.
Além disso, para minimizar a divisão entre os humanos e outras espécies, os defensores do vegetarianismo fizeram um grande esforço para demonstrar que os animais não são desprovidos de razão ou linguagem, o que os etólogos têm desde então amplamente confirmado.
Os Antigos já tinham notado, por exemplo, que os animais se expressam de forma diferente quando têm medo, chamam, desafiam uns aos outros, etc.
Talvez seja em Empédocles que a unidade da vida (porque todas as coisas existentes são dotadas de pensamento e compostas pelos mesmos elementos) está mais presente: exige que os humanos se considerem membros de uma comunidade mais ampla e induz a prática da universalidade.
3 - União com Deus
O vegetarianismo às vezes tinha razões principalmente (mas nunca exclusivamente) místicas, principalmente entre Apolônio de Tiana e Porfírio. Para isso contribuiu a busca da justiça, filha da razão e atributo divino por excelência.
Não se tratava apenas de abster-se de tirar a vida, mas também de remover de si toda contaminação para poder aproximar-se do altar em estado de pureza. É por isso que, como os veganos de hoje, Apolônio de Tiana recusou, além do consumo de carne animal, também qualquer tecido feito com restos de animais.
A carne também foi acusada de pesar na mente que era, de fato, menos capaz de discernir o bem do mal; por outro lado, foi acusado de despertar os sentidos: ao renunciar a ele, os humanos afastaram uma série de males, principalmente a incapacidade de se satisfazer apenas com o necessário.
A condenação da suntuosidade da mesa também existia entre os vegetarianos não místicos através da rejeição da intemperança.
As críticas complementaram a do egoísmo dos carnívoros, indiferentes ao destino dos demais seres vivos. Seja como for, a ascese deve contribuir para aproximar-nos do divino. Necessária à vida espiritual, manifesta-se seu caráter iniciático.
4 - Os outros argumentos
Esses três exemplos não esgotam os argumentos dos antigos vegetarianos. Porphyre, ansioso por quebrar o aparente consenso em torno do consumo de carne, insiste no fato de não haver nada de universal nisso e questiona uma prática ditada apenas pelo costume.
A crítica ao finalismo (a ideia, predominante na Antiguidade, de que tudo o que existe se destina a servir o homem) também ocupa um lugar importante na argumentação (se tudo tem um fim, para que servem as moscas e os mosquitos?, perguntamo-nos? E por que, então, não pensar que os próprios humanos foram criados para outras espécies, como o crocodilo, que também precisam matar para sobreviver?).
Às vezes aparecem argumentos originais, como o fato de os humanos não serem adequados para comer carne (como provado pelos seus dentes) ou quando Tiberius Julius Alexander enfatiza que as espécies mais virtuosas são aquelas que se abstêm de carne.
Outras são mais comuns, como quando a necessidade de cozinhar a carne demonstra que não é da natureza humana consumi-la.
As razões médicas raramente estão presentes (mesmo assim mencionadas pelo jovem Sêneca que aprendera as lições em Roma pela escola Sextii): a higiene da alma tinha precedência sobre os efeitos benéficos do vegetarianismo para a saúde do corpo.
Assim, certos Antigos rejeitaram a singularidade radical do ser humano e quiseram fazer do vegetarianismo a expressão da racionalidade mais consumada.
Todos estavam preocupados em colocar a justiça no centro das relações entre os humanos e outras espécies e em apontar as semelhanças e não as diferenças. E, como que ecoando certos discursos que nos são contemporâneos, é como uma “batalha” (agôn) que Plutarco apresenta a sua ação em favor dos animais.
> Esse artigo foi publicado originalmente em francês.
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