Pular para o conteúdo principal

Aquecimento global prova tanto chuvas concentradas como secas prolongadas

Derruba da floresta na Amazônia torna mais grave o desequilíbrio climático na América do Sul


Marcos Pivetta
jornalista

Revista Pesquisa Fapesp

Três quartos do planeta são cobertos por água. Essencial à vida, a famosa molécula de H₂O é um tipo de matéria que, em função de variações na temperatura, muda constantemente de fase e de lugar. Passa da condição de vapor na atmosfera para a de líquido ou sólido na superfície terrestre (solos, rios, lagos e oceanos) e vice-versa. Sem abandonar a Terra. Sua quantidade é praticamente constante. 

Os principais processos envolvidos nesse ciclo são evaporação, transpiração das plantas, condensação, precipitação (chuva e neve) e escoamento superficial (ver quadro). 

Nas últimas décadas, o aquecimento global tem acelerado o ciclo da água, em especial a evapotranspiração (evaporação mais transpiração das plantas), o que pode resultar tanto em mais chuvas como em mais secas.

À primeira vista, um ar carregado com mais vapor de água, gás invisível que é o combustível das nuvens de chuva, deveria ser a condição ideal para gerar mais pluviosidade. Isso de fato ocorre ou pode ocorrer. Porém, o contrário é igualmente verdadeiro, sobretudo em regiões tropicais. 

“O aquecimento da atmosfera é uma faca de dois gumes”, compara o meteorologista Gilvan Sampaio, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “Pode gerar chuvas intensas e concentradas, mas também secas prolongadas.”


A explicação reside numa relação da termodinâmica: quanto mais quente o ar, mais vapor de água é necessário para que se formem nuvens e eventualmente chova.

Durante o final da estação seca no sul da Amazônia, por exemplo, pode haver uma redução de chuva devido à limitada evapotranspiração das áreas desmatadas. Isso tende a atrasar um pouco o início da estação chuvosa.

As nuvens de chuva apenas se formam quando a atmosfera atinge seu ponto de saturação (100% de umidade relativa), ou seja, quando o ar carrega a quantidade máxima de vapor de água que ele consegue reter a uma dada temperatura. 

Alcançado o ponto de saturação, o vapor de água se condensa, vira líquido. Essas gotículas de água vão formar as nuvens de chuva e a névoa. 

O problema é que a elevação das temperaturas globais e regionais — o ano passado foi o mais quente da história recente no mundo como um todo e também no Brasil — dificulta, de forma exponencial, que o ar atinja o ponto de saturação.


Mudança na temperatura
está alterando o clima de
regiões como a Amazônia

FOTO: Jordan Lye / Getty Images

Cada acréscimo de 1 grau Celsius (°C) eleva em aproximadamente 7% a capacidade de a atmosfera reter vapor de água sem ocorrer condensação, segundo a equação de Clausius-Clapeyron. A 25 °C, um mesmo volume de ar consegue estocar quase três vezes mais vapor de água do que a 10 °C, e 50% a mais do que a 20 °C. 

A equação explica, por exemplo, por que tende a chover no final de um dia quente de verão em uma área com grande disponibilidade de água na superfície. Evapora muita água ao longo do dia com o calor. Quando a temperatura finalmente cai, e o ponto de saturação do ar também diminui, despenca um temporal. O ar não consegue mais reter a mesma quantidade de umidade que era capaz quando a temperatura estava mais alta. 

Para entrar em equilíbrio térmico, produz chuva. O aquecimento global produz outras mudanças no ciclo hidrológico. Quando a temperatura do mar ultrapassa 27 °C, a evaporação aumenta exponencialmente. Muito desse vapor vai para os continentes e pode gerar chuvas intensas.

Desde a segunda metade do século XIX, adotada como base de referência do período pré-industrial, a temperatura média de todo o globo aumentou pouco mais de 1,1 °C. Mas há lugares no mundo e no Brasil, como a faixa sul da Amazônia e o interior do Nordeste, em que as temperaturas locais subiram de 2 a 3 °C nas últimas décadas.

Evidentemente, o aquecimento global não é o único fator que modifica a ocorrência de chuvas.

“A umidade do ar e alterações regionais da cobertura da superfície podem repercutir no ciclo hidrológico, como o efeito ilha de calor em zonas densamente urbanizadas e a conversão de áreas de vegetação florestal para a agropecuária”, afirma o especialista em hidroclimatologia Humberto Ribeiro da Rocha, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).


A pluviosidade é um fenômeno tão complexo que dizer quando, onde e quanto vai chover é sempre um desafio, ainda que as previsões atuais de curto e médio prazo sejam cada vez melhores. Mudanças no vento ou um obstáculo geográfico podem fazer com que a umidade gerada em um lugar, ou ao menos parte dela, produza chuva em outro lugar muito distante. A quantidade de verde em uma área é um dado crítico no ciclo hidrológico.

Não é força de expressão a Amazônia ser usualmente denominada como floresta da chuva em inglês (rainforest). Em seus trechos mais bem preservados, em que a mata é densa e fechada, faz menos calor e chove mais e de forma relativamente homogênea ao longo do ano. 

Nos setores desmatados e degradados, como o sul e leste da região, as temperaturas são mais elevadas (2 ºC ou 3 ºC acima das partes preservadas da floresta) e o período de estiagem está se tornando cada vez maior.

“A evapotranspiração é cerca de três vezes menor em uma área desmatada e ocupada por pastagens do que em um trecho de floresta preservado”, afirma o climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. 

Há anos, os trabalhos do pesquisador servem de alerta para os riscos climáticos e ambientais que a savanização da floresta tropical (sua transformação em um tipo de Cerrado) pode acarretar. 

Além de gerar a própria pluviosidade, a Amazônia fornece parte da umidade de outros setores da América do Sul. Por isso, a derrubada da floresta (cerca de 20% já foi cortada) é uma aposta certeira no mercado futuro de secas.

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Dawkins é criticado por ter 'esperança' de que Musk não seja tão estúpido como Trump

Tibetanos continuam se matando. E Dalai Lama não os detém

O Prêmio Nobel da Paz é "neutro" em relação às autoimolações Stephen Prothero, especialista em religião da Universidade de Boston (EUA), escreveu um artigo manifestando estranhamento com o fato de o Dalai Lama (foto) se manter neutro em relação às autoimolações de tibetanos em protesto pela ocupação chinesa do Tibete. Desde 16 de março de 2011, mais de 40 tibetanos se sacrificaram dessa dessa forma, e o Prêmio Nobel da Paz Dalai Lama nada fez para deter essa epidemia de autoimolações. A neutralidade, nesse caso, não é uma forma de conivência, uma aquiescência descompromissada? Covardia, até? A própria opinião internacional parece não se comover mais com esse festival de suicídios, esse desprezo incandescente pela vida. Nem sempre foi assim, lembrou Prothero. Em 1963, o mundo se comoveu com a foto do jornalista americano Malcolm Wilde Browne que mostra o monge vietnamita Thich Quang Duc colocando fogo em seu corpo em protesto contra a perseguição aos budistas pelo

Proibido o livro do padre que liga a umbanda ao demônio

Padre Jonas Abib foi  acusado da prática de  intolerância religiosa O Ministério Público pediu e a Justiça da Bahia atendeu: o livro “Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação”, do padre Jonas Abib (foto), terá de ser recolhido das livrarias por, nas palavras do promotor Almiro Sena, conter “afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto”. O padre Abib é ligado à Renovação Carismática, uma das alas mais conservadoras da Igreja Católica. Ele é o fundador da comunidade Canção Nova, cuja editora publicou o livro “Sim, Sim!...”, que em 2007 vendeu cerca de 400 mil exemplares, ao preço de R$ 12,00 cada um, em média. Manuela Martinez, da Folha, reproduz um trecho do livro: "O demônio, dizem muitos, "não é nada criativo". (...) Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde no

Condenado por estupro, pastor Sardinha diz estar feliz na cadeia

Pastor foi condenado  a 21 anos de prisão “Estou vivendo o melhor momento de minha vida”, diz José Leonardo Sardinha (foto) no site da Igreja Assembleia de Deus Ministério Plenitude, seita evangélica da qual é o fundador. Em novembro de 2008 ele foi condenado a 21 anos de prisão em regime fechado por estupro e atentado violento ao pudor. Sua vítima foi uma adolescente que, com a família, frequentava os cultos da Plenitude. A jovem gostava de um dos filhos do pastor, mas o rapaz não queria saber dela. Sardinha então disse à adolescente que tinha tido um sonho divino: ela deveria ter relações sexuais com ele para conseguir o amor do filho, e a levou para o motel várias vezes. Mas a ‘profecia’ não se realizou. O Sardinha Jr. continuou não gostando da ingênua adolescente. No texto publicado no site, Sardinha se diz injustiçado pela justiça dos homens, mas em contrapartida, afirma, Deus lhe deu a oportunidade de levar a palavra Dele à prisão. Diz estar batizando muita gen

Veja os 10 trechos mais cruéis da Bíblia

Profecias de fim do mundo

O Juízo Final, no afresco de Michangelo na Capela Sistina 2033 Quem previu -- Religiosos de várias épocas registraram que o Juízo Final ocorrerá 2033, quando a morte de cristo completará 2000. 2012 Quem previu – Religiosos e teóricos do apocalipse, estes com base no calendário maia, garantem que o dia do Juízo Final ocorrerá em dezembro, no dia 21. 2011 Quem previu – O pastor americano Harold Camping disse que, com base em seus cálculos, Cristo voltaria no dia 21 de maio, quando os puros seriam arrebatados e os maus iriam para o inferno. Alguns desastres naturais, como o terremoto seguido de tsunami no Japão, serviram para reforçar a profecia. O que ocorreu - O fundador do grupo evangélico da Family Radio disse estar "perplexo" com o fato de a sua profecia ter falhado. Ele virou motivo de piada em todo o mundo. Camping admitiu ter errado no cálculo e remarcou da data do fim do mundo, que será 21 de outubro de 2011. 1999 Quem previu – Diversas profecias

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa

Santuário Nossa Senhora Aparecida fatura R$ 100 milhões por ano

Basílica atrai 10 milhões de fiéis anualmente O Santuário de Nossa Senhora de Aparecida é uma empresa da Igreja Católica – tem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) – que fatura R$ 100 milhões por ano. Tudo começou em 1717, quando três pescadores acharam uma imagem de Nossa Senhora no rio Paraíba do Sul, formando-se no local uma vila que se tornou na cidade de Aparecida, a 168 km de São Paulo. Em 1984, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) concedeu à nova basílica de Aparecida o status de santuário, que hoje é uma empresa em franca expansão, beneficiando-se do embalo da economia e do fortalecimento do poder aquisitivo da população dos extratos B e C. O produto dessa empresa é o “acolhimento”, disse o padre Darci José Nicioli, reitor do santuário, ao repórter Carlos Prieto, do jornal Valor Econômico. Para acolher cerca de 10 milhões de fiéis por ano, a empresa está investindo R$ 60 milhões na construção da Cidade do Romeiro, que será constituída por trê