Pular para o conteúdo principal

O legado dos neandertais ao Homo sapiens vai além do genoma

Diferentemente do que se suponha, os neandertais possuíam expressões artísticas complexas, provas de que tinham mente simbólica.


Ignácio Martín Lerma
professor catedrático de pré-história, Universidade de Múrcia, Espanha

The Conversation
plataforma de informação e análise produzida por acadêmicos e jornalistas

Apesar de sua adaptação bem-sucedida a vários ambientes durante centenas de milhares de anos, os Neandertais desapareceram da face da Terra. A razão exata continua a ser tema de debate entre os cientistas, embora tudo indique que foi na Península Ibérica onde ocorreu a sua extinção. 

Alguns estudos sugerem que eles poderiam ter sido absorvidos ou deslocados por populações de Homo sapiens que migraram do Norte da África para a península durante o Paleolítico Superior. Outros investigadores acrescentam a isso os desafios ambientais que tiveram de enfrentar.


Em Múrcia, na Espanha, a
Caverna do Arco contém arte
rupestre atribuída aos neandertais
FOTO: REPRODUÇÃO DA WIKIPÉDIA

O que é inquestionável é o rico e extenso patrimônio arqueológico que deixaram por quase toda a Europa, sendo a Península Ibérica um território chave para o seu estudo. Destacam-se dezenas de sítios com ocupações, bem como restos fósseis descobertos em locais como a gruta de El Sidrón (Astúrias) ou a Sima de las Palomas (Múrcia), que contribuíram significativamente para o conhecimento que temos hoje sobre os Neandertais.

Enterre os nossos

Enterrar nossos mortos não é uma prática exclusiva dos humanos modernos. Nossos ancestrais pré-históricos também fizeram isso, o que revela uma clara capacidade cognitiva. Atualmente, ganhou grande popularidade o sítio Cova Foradada (Valência), que pode ser o cemitério de Neandertais mais antigo da Península Ibérica.

Normalmente, os restos humanos desta época encontram-se muito fragmentados, no entanto, neste local, foram depositados com muito cuidado no seu lado direito, o que permitiu que tanto o seu crânio como a sua mão persistissem até aos dias de hoje, quase completos, proporcionando assim informações anatômicas valiosas.

Mousteriano, um avanço tecnológico

Durante a sua existência ao longo do Paleolítico Médio, desenvolveu-se a cultura Mousteriana, caracterizada pelo trabalho da pedra para produzir pontas de lança ou ferramentas como denticulados, semelhantes à atual faca serrilhada.

Graças ao estudo dessa indústria lítica, podemos aprender fatos muito interessantes sobre a vida quotidiana dos nossos antepassados. Por exemplo, sítios como Cueva del Arco (Múrcia) permitem-nos saber como organizaram espacialmente o seu habitat, ou Cueva Antón (Múrcia), onde conseguimos extrair dados que atestam, graças ao estudo microscópico dos vestígios de uso encontrado nas ferramentas, em que épocas trabalhavam mais com couro ou madeira.

Como cozinhar caranguejos

Por outro lado, para aprofundar certas questões, a culinária, por exemplo, a arqueologia experimental tem ajudado muito. Essa disciplina fornece técnicas que permitem ratificar questões tão marcantes como conhecer de forma sistemática, pela primeira vez na história, o consumo de crustáceos marinhos, como ocorre na Figueira Brava (Portugal).

Os resultados experimentais indicam que os caranguejos foram assados, o que enfraqueceu a casca e facilitou a sua abertura. Embora também seja possível desarticular manualmente as pernas, na maioria das vezes seria necessário o uso de um pequeno martelo de pedra. 

Cicatrizes de impacto e fraturas longitudinais atestam o uso desse tipo de ferramenta para acessar as partes mais carnudas desses animais.

Arte, um teste do seu desenvolvimento cognitivo

Embora se pensasse tradicionalmente que os Neandertais não possuíam expressões artísticas complexas, os objetos decorativos e a arte são provas de que os nossos antepassados ​​possuíam uma mente simbólica.

Existem exemplos de arte rupestre neandertal em La Pasiega (Cantábria), Maltravieso (Cáceres) e Ardales (Málaga).

Nas paredes de todos os três há símbolos e ponteiros datados de antes da chegada dos humanos modernos à Europa, cerca de 45 mil anos atrás .

O mesmo ocorre com algumas conchas com umbo perfurado, encontradas na Cueva de los Aviones (Murcia), que provavelmente serviam como ornamento pessoal. Embora o significado exato desses elementos simbólicos permaneça uma questão de debate, a sua existência sugere uma capacidade cognitiva mais complexa do que se pensava anteriormente e desafia as concepções tradicionais da sua natureza e comportamento.

Essas evidências sugerem que os Neandertais estiveram presentes na Europa e, especificamente, na Península Ibérica, durante um importante período, embora o seu desaparecimento continue a causar muitas incógnitas.

O que temos hoje claro é o grande legado que eles nos deixaram. Arte, tradição e cultura material se misturam com um componente muito mais importante e pessoal, o DNA Neandertal que todo europeu e asiático carrega em seu genoma.

> Esse artigo foi escrito originalmente em espanhol.

Comentários

betoquintas disse…
Arte, essa coisa que vem da criatividade, sem evidência de existência. Um "pecado" para o ateísmo 😏🤭.

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Dawkins é criticado por ter 'esperança' de que Musk não seja tão estúpido como Trump

Tibetanos continuam se matando. E Dalai Lama não os detém

O Prêmio Nobel da Paz é "neutro" em relação às autoimolações Stephen Prothero, especialista em religião da Universidade de Boston (EUA), escreveu um artigo manifestando estranhamento com o fato de o Dalai Lama (foto) se manter neutro em relação às autoimolações de tibetanos em protesto pela ocupação chinesa do Tibete. Desde 16 de março de 2011, mais de 40 tibetanos se sacrificaram dessa dessa forma, e o Prêmio Nobel da Paz Dalai Lama nada fez para deter essa epidemia de autoimolações. A neutralidade, nesse caso, não é uma forma de conivência, uma aquiescência descompromissada? Covardia, até? A própria opinião internacional parece não se comover mais com esse festival de suicídios, esse desprezo incandescente pela vida. Nem sempre foi assim, lembrou Prothero. Em 1963, o mundo se comoveu com a foto do jornalista americano Malcolm Wilde Browne que mostra o monge vietnamita Thich Quang Duc colocando fogo em seu corpo em protesto contra a perseguição aos budistas pelo

Proibido o livro do padre que liga a umbanda ao demônio

Padre Jonas Abib foi  acusado da prática de  intolerância religiosa O Ministério Público pediu e a Justiça da Bahia atendeu: o livro “Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação”, do padre Jonas Abib (foto), terá de ser recolhido das livrarias por, nas palavras do promotor Almiro Sena, conter “afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto”. O padre Abib é ligado à Renovação Carismática, uma das alas mais conservadoras da Igreja Católica. Ele é o fundador da comunidade Canção Nova, cuja editora publicou o livro “Sim, Sim!...”, que em 2007 vendeu cerca de 400 mil exemplares, ao preço de R$ 12,00 cada um, em média. Manuela Martinez, da Folha, reproduz um trecho do livro: "O demônio, dizem muitos, "não é nada criativo". (...) Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde no

Condenado por estupro, pastor Sardinha diz estar feliz na cadeia

Pastor foi condenado  a 21 anos de prisão “Estou vivendo o melhor momento de minha vida”, diz José Leonardo Sardinha (foto) no site da Igreja Assembleia de Deus Ministério Plenitude, seita evangélica da qual é o fundador. Em novembro de 2008 ele foi condenado a 21 anos de prisão em regime fechado por estupro e atentado violento ao pudor. Sua vítima foi uma adolescente que, com a família, frequentava os cultos da Plenitude. A jovem gostava de um dos filhos do pastor, mas o rapaz não queria saber dela. Sardinha então disse à adolescente que tinha tido um sonho divino: ela deveria ter relações sexuais com ele para conseguir o amor do filho, e a levou para o motel várias vezes. Mas a ‘profecia’ não se realizou. O Sardinha Jr. continuou não gostando da ingênua adolescente. No texto publicado no site, Sardinha se diz injustiçado pela justiça dos homens, mas em contrapartida, afirma, Deus lhe deu a oportunidade de levar a palavra Dele à prisão. Diz estar batizando muita gen

Veja os 10 trechos mais cruéis da Bíblia

Profecias de fim do mundo

O Juízo Final, no afresco de Michangelo na Capela Sistina 2033 Quem previu -- Religiosos de várias épocas registraram que o Juízo Final ocorrerá 2033, quando a morte de cristo completará 2000. 2012 Quem previu – Religiosos e teóricos do apocalipse, estes com base no calendário maia, garantem que o dia do Juízo Final ocorrerá em dezembro, no dia 21. 2011 Quem previu – O pastor americano Harold Camping disse que, com base em seus cálculos, Cristo voltaria no dia 21 de maio, quando os puros seriam arrebatados e os maus iriam para o inferno. Alguns desastres naturais, como o terremoto seguido de tsunami no Japão, serviram para reforçar a profecia. O que ocorreu - O fundador do grupo evangélico da Family Radio disse estar "perplexo" com o fato de a sua profecia ter falhado. Ele virou motivo de piada em todo o mundo. Camping admitiu ter errado no cálculo e remarcou da data do fim do mundo, que será 21 de outubro de 2011. 1999 Quem previu – Diversas profecias

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa

Santuário Nossa Senhora Aparecida fatura R$ 100 milhões por ano

Basílica atrai 10 milhões de fiéis anualmente O Santuário de Nossa Senhora de Aparecida é uma empresa da Igreja Católica – tem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) – que fatura R$ 100 milhões por ano. Tudo começou em 1717, quando três pescadores acharam uma imagem de Nossa Senhora no rio Paraíba do Sul, formando-se no local uma vila que se tornou na cidade de Aparecida, a 168 km de São Paulo. Em 1984, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) concedeu à nova basílica de Aparecida o status de santuário, que hoje é uma empresa em franca expansão, beneficiando-se do embalo da economia e do fortalecimento do poder aquisitivo da população dos extratos B e C. O produto dessa empresa é o “acolhimento”, disse o padre Darci José Nicioli, reitor do santuário, ao repórter Carlos Prieto, do jornal Valor Econômico. Para acolher cerca de 10 milhões de fiéis por ano, a empresa está investindo R$ 60 milhões na construção da Cidade do Romeiro, que será constituída por trê