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Por que Jesus é retratado com um tanquinho? Esse messias reflete os valores cristãos de masculinidade

Evangelhos narram uma parábola do Homem Forte. E a crucificação demonstra resistência até sob tortura


Chris Greenough
estudioso em ciências sociais, Edge Hill University, Inglaterra

The Conversation
plataforma de informação e análise produzida por acadêmicos e jornalistas

Você já se perguntou por que tantas imagens que retratam a crucificação mostram Jesus com um corpo muito definido, esguio e tonificado? Ou magro, mas com tanquinho, ou exibindo músculos. 

Embora estas imagens dificilmente sejam um reflexo do pouco que se pode supor sobre o Jesus histórico, elas refletem certamente ideias sociais e culturais sobre a masculinidade e noções idealizadas de masculinidade.

Em muitas imagens da crucificação, Jesus é retratado como forte e vulnerável. Pinturas de crucificação mostrando um messias musculoso sugerem que Jesus talvez pudesse ter superado fisicamente seu destino, se quisesse. 

Essa interpretação da história da crucificação amplifica a força emocional e espiritual do seu sacrifício.

A Bíblia está cheia de homens fortes e profetas vigorosos. Trabalhar a terra é o castigo de Adão por comer da Árvore do Conhecimento. Noé constrói uma enorme arca, enchendo-a com todos os pássaros, animais e alimentos. Sansão tem força sobre-humana no livro dos Juízes — sua única fraqueza são as mulheres.


Jesus tanquinho
corresponde
ao termo
“cristianismo
musculoso”, 
criado em 1857

A abertura do Evangelho de Mateus detalha a genealogia de Jesus, e fica claro que ele tem outros homens durões em seu DNA. Fala de Abraão e Davi, particularmente.

Em Gênesis 14, aprendemos como Abraão reuniu um exército de mais de 300 homens e lançou um ataque para salvar sua família. Em Gênesis 21, ele também tem um filho aos 100 anos — Isaque.

Davi também é mencionado como ancestral de Jesus. Ele ficou famoso por matar Golias, cuja imensa estatura foi estimada em quase de 3 metros. No Livro de Samuel, David mata 200 homens filisteus e traz os seus prepúcios ao rei Saul, para que este lhe permita casar com a sua filha, Mical.

Embora algumas representações de Jesus tenham causado indignação, como aquelas, por exemplo, que o representam como feminino ou sexualizado, um clamor semelhante não parece seguir o musculoso Jesus.

Há uma história nos evangelhos sobre a força física de Jesus, quando ele expulsa aqueles que compravam e vendiam no templo, derrubando mesas em sua raiva. No Novo Testamento, os evangelhos narram até uma Parábola do Homem Forte.

A resistência à tortura física antes da crucificação foi bem documentada na iconografia religiosa, como a Via Sacra, bem como em filmes como A Paixão de Cristo (2004), de Mel Gibson. Jesus também precisa ser mentalmente forte para vencer Satanás, então as representações de sua força física talvez devam ecoar sua força espiritual sobre-humana.

'Eis o homem!'

Pinturas que retratam Jesus com um tanquinho influenciaram facções do Cristianismo. No século 19, a ideia de um “cristianismo musculoso” se consolidou. O termo, inventado em 1857, descreve os cristãos que veem valor moral e religioso nos esportes.

Em seu livro God's Gym (1997), o professor de religião Stephen Moore explora a busca por Jesus em uma forma humana masculina perfeita e como isso está conectado à cultura física e ao narcisismo masculino. A espiritualidade cristã masculina está muitas vezes alinhada com os valores de coragem, força e poder.

Embora seu ministério não seja conhecido por seu foco em exercícios, a aptidão de Jesus pode ser vista em algumas interpretações dos evangelhos. Ele caminhou por 40 dias no vasto deserto e carregou uma pesada cruz nas costas.

Por meio da Eucaristia (“tomai e comei, isto é o meu corpo”), o corpo de Jesus tornou-se sacramento. Isto tem implicações palpáveis ​​para muitos cristãos modernos. Se a boa forma física de Jesus é um sinal da sua santidade, então é algo a que aspirar.

O livro da teóloga Lisa Isherwood, The Fat Jesus (2008), explora as culturas de perda de peso das mulheres cristãs por meio de programas como “Slim for Him”. 

Enquanto isso, o livro da teóloga feminista Hannah Bacon Feminist Theology and Contemporary Dieting Culture (2019) analisa o uso problemático de “pecado/sin” para se referir a alimentos “ruins” em programas de perda de peso.

Para alguns cristãos, as representações de Jesus como forte e musculoso representam o ideal do corpo de um homem. Eles interpretam as histórias bíblicas de uma forma que reflete essas pinturas. 

Muitos desses grupos acreditam que as ideias bíblicas de masculinidade estão sob ataque. Em resposta, organizaram eventos destinados a atrair homens para a igreja e promover os ideais de masculinidade bíblica. Louvar um corpo musculoso ideal para os homens — e para Jesus — faz parte disso.

Então, da próxima vez que você olhar uma pintura de Jesus em uma igreja ou galeria, lembre-se de que tais imagens refletem atitudes sociais e culturais contemporâneas em relação aos corpos dos homens, em vez de autenticidade, em sua arte.

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