Fala-se muito em avanços da medicina, mas o que as pessoas precisam é ter acesso a médicos e exames, para haver diagnóstico precoce
psico-oncologista, especialista em Bioética e Health Literacy, Instituto Oncoguia, Brasil
The Conversation
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A expectativa de vida da população global será de 74,8 anos em 2030 e deve chegar a 82 anos em 2100. Bastante desigual entre os países, esse aumento do tempo de vida envolve também a necessidade de lidar com uma carga maior de enfermidades como a hipertensão, o diabetes e o câncer, cuja incidência está associada ao envelhecimento.
Como enfrentar um desafio tão grande? Em relação ao câncer, um dos maiores obstáculos a serem superados é a percepção ainda extremamente negativa que se tem da doença. Para a maioria, persiste a visão de que o diagnóstico de um tumor é um sinal de que o tempo de vida do paciente entrou em contagem regressiva.
Apenas uma porcentagem muito pequena da população, contando os especialistas e profissionais da saúde, sabe que estamos diante de uma doença curável, tratável, prevenível e controlável.
Apenas 20% das mulheres acima de 50 anos aderiram à mamografia |
Disseminar a visão de que o câncer pode ser curado ou controlado, especialmente se descoberto em fase inicial, foi e ainda é um grande desafio. É o que fazemos no Instituto Oncoguia, que desde a sua criação, que diariamente se dedica a informar, apoiar e defender os direitos das pessoas com câncer desde a sua criação, em 2009.
A prática revelou quanto a informação qualificada é crucial e faz diferença na vida dos pacientes. Mas evidenciou, igualmente, que ela precisa estar associada a um conjunto de estratégias para impactar as estatísticas.
Ao mesmo tempo em que o assunto precisa ser muito mais falado e as boas notícias compartilhadas, como os avanços da medicina, o país precisa criar condições para que os indivíduos possam, efetivamente, fazer consultas com especialistas e ter acesso facilitado aos exames que podem garantir um diagnóstico precoce.
Tomando como exemplo o câncer de mama, o que dizer quando se constata que nos últimos 10 anos, não mais que 20% das mulheres acima de 50 anos, que é a faixa etária preconizada no Sistema Único de Saúde, aderiram à mamografia?
As que buscam se cuidar e partem em busca da mamografia enfrentam muitas dificuldades. Algumas conseguem agendar facilmente na Unidade Básica de Saúde (inclusive algumas têm mamógrafos), mas há quem esteja na fila de espera há mais de um ano e quem agendou e nunca foi chamada.
O que acontece quando a mulher que tenta fazer a mamografia se vê diante de uma jornada repleta de obstáculos? Todo o esforço feito para mobilizá-la se dissipa progressivamente.
Os obstáculos ao diagnóstico vão além da realização do exame. Nos casos em que a mamografia identifica anormalidades suspeitas na imagem, essas mulheres deveriam ser priorizadas para receber acompanhamento imediato. Não é o que tem ocorrido. Muitas vezes, esses exames não são vistos por um especialista que valorize devidamente os achados, bem como os resultados não são comunicados às pacientes.
Eis aí uma boa oportunidade para o desenvolvimento de um programa de inteligência artificial para a rede pública que apoie os médicos na interpretação das mamografias ou ainda programas de tele-saúde que garantam um rápido retorno sobre o resultado do exame, que sempre deve ser visto, analisado e reportado à mulher.
Se é assim com o câncer de mama, alvo de campanhas conhecidas como o Outubro Rosa, o que dizer sobre o câncer sobre o câncer de pulmão, o mais letal e que cresce absurdamente entre mulheres?
O panorama é igual ou pior em relação ao câncer colorretal, que afeta o intestino grosso e o reto. O exame para diagnóstico precoce é a colonoscopia, feita com o paciente sedado, com preparo prévio e um tubo flexível com uma câmera para olhar o interior do intestino.
Temos provocado muito o governo para criar um programa de rastreamento para o câncer colorretal, o segundo mais comum em homens e mulheres (exceto o câncer de pele não melanona). Esperamos que se amplie ao menos a realização de exames laboratoriais para identificar a presença de sangue oculto nas fezes, que é um sinal de alerta, e fazer assim uma primeira triagem dos pacientes de risco.
Como os avanços se dão em várias frentes e impulsionados por muitas iniciativas, recentemente criamos uma nova abordagem para levar informação às mulheres.
Na tentativa de lidar com o câncer de mama de um jeito diferente, o Instituto Oncoguia lançou a iniciativa 8 por todas, para que cada mulher se conecte consigo mesma e a outras oito para incentivar o autocuidado.
Oito por todas é uma ideia que traz conexão, e que ajuda de alguma forma as mulheres a se sentirem mais acompanhadas em sua jornada pela saúde. E assim, de 8 em 8, seguimos cuidando e acolhendo para enfrentar e/ou amenizar a estatística de que “1 em cada 8 terá câncer de mama”.
Oito por todas é uma ideia que traz conexão, e que ajuda de alguma forma as mulheres a se sentirem mais acompanhadas em sua jornada pela saúde. E assim, de 8 em 8, seguimos cuidando e acolhendo para enfrentar e/ou amenizar a estatística de que “1 em cada 8 terá câncer de mama”.
Políticas públicas para o câncer
Considerados separadamente, por gênero, os tumores mais prevalentes são os de próstata para os homens e os de mama em mulheres. Em segundo lugar está o câncer colorretal, seguido pelo câncer de pulmão. Quando se somam todos os casos, os tumores mais incidentes são os de pele.Despertar a consciência em relação ao autocuidado com o câncer implica garantir também o acesso a exames para agilizar o diagnóstico precoce. Como não é possível prevenir tudo, se a doença for descoberta no início, as taxas de cura são maiores. Caso contrário, continuará prevalecendo a visão de que o câncer é fatal.
A realidade é que a maioria dos tumores ainda é detectada tardiamente no Brasil. No caso da mama, 40% das mulheres descobrem a doença em fase avançada ou metastática na rede privada, número que chega a 60% na rede pública. Isso piora segundo as desigualdades étnico-raciais como determinantes sociais das condições de saúde.
Enquanto no SUS a jornada inteira é desafiadora, o agendamento de exames é mais ágil na saúde suplementar. Mas como um plano de saúde difere do outro, os problemas em geral começam a partir do momento do diagnóstico para que seja feita a liberação dos tratamentos pedidos.
Os poucos dados disponíveis no DataSUS indicam que as populações vulneráveis (pretos, pobres e moradores das periferias) sofrem ainda mais para cuidar adequadamente da sua saúde.
O ponto é que, no Brasil, faltam informações para traçar a verdadeira dimensão desse impacto. E é por isso que hoje existe um debate importantíssimo sendo feito sobre a necessidade da inclusão e do preenchimento correto do quesito cor (ou raça/etnia) em todas as políticas e registros administrativos de saúde.
Diferentemente de outros agravos como a hepatite C e a Aids, o câncer não possui um programa público voltado para o seu enfrentamento. Diante do diagnóstico, há ainda enormes barreiras para que a Lei dos 60 dias (obriga o início do tratamento nesse período) seja cumprida e para que haja acesso a terapias eficazes.
Além disso, muitos tratamentos, mesmo recomendados pela Conitec (agência brasileira de incorporação de novas tecnologias ao SUS), não chegam aos pacientes que podem beneficiar. Há também uma necessidade premente de revisão do modelo de financiamento da oncologia, levando em consideração os grandes avanços tecnológicos.
Neste momento, as esperanças de mudança dos profissionais da saúde e grupos de pacientes estão focadas na nova Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), que foi aprovada em dezembro de 2023 pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Lula.
O governo tem até junho para regulamentar a nova lei, que é uma conquista inédita e importante após muitos anos de luta. Evidente que nada muda do dia para a noite, mas preocupa que não tenham sido destinados os recursos financeiros necessários para a nova política em prática.
Dados publicados em 4 de abril de 2024 pelo Globocan (base de dados da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer da Organização Mundial da Saúde) alertam que em 2050 os casos de câncer vão dobrar.
Seguiremos sendo pegos de surpresa e deixando pacientes pagarem com suas vidas ou começaremos hoje a tratar o câncer de forma prioritária?
Diferentemente de outros agravos como a hepatite C e a Aids, o câncer não possui um programa público voltado para o seu enfrentamento. Diante do diagnóstico, há ainda enormes barreiras para que a Lei dos 60 dias (obriga o início do tratamento nesse período) seja cumprida e para que haja acesso a terapias eficazes.
Além disso, muitos tratamentos, mesmo recomendados pela Conitec (agência brasileira de incorporação de novas tecnologias ao SUS), não chegam aos pacientes que podem beneficiar. Há também uma necessidade premente de revisão do modelo de financiamento da oncologia, levando em consideração os grandes avanços tecnológicos.
Neste momento, as esperanças de mudança dos profissionais da saúde e grupos de pacientes estão focadas na nova Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), que foi aprovada em dezembro de 2023 pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Lula.
O governo tem até junho para regulamentar a nova lei, que é uma conquista inédita e importante após muitos anos de luta. Evidente que nada muda do dia para a noite, mas preocupa que não tenham sido destinados os recursos financeiros necessários para a nova política em prática.
Dados publicados em 4 de abril de 2024 pelo Globocan (base de dados da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer da Organização Mundial da Saúde) alertam que em 2050 os casos de câncer vão dobrar.
Seguiremos sendo pegos de surpresa e deixando pacientes pagarem com suas vidas ou começaremos hoje a tratar o câncer de forma prioritária?
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