Paulo Lopes
jornalista, trabalhou na Folha de S.Paulo, Agência Folha, Diário Popular, Editora Abril e em outras publicações
Um vídeo de apenas 20:02, Mark Sanderson, um dos oito membros do Corpo Governante das TJs, anunciou o fim do ostracismo que a organização impôs a ex-membros expulsos (os desassociados) dezenas de anos, destruído lares e acabando com amizade entre amigos.
Em todo o mundo há ex-TJs abalados psicologicamente por serem excluído dos círculos familiares. Casos de depressão são frequentes e há suicídios.
Sorrindo, Sanderson anuncia uma guinada. E a dor dos desassociados, tem algum valor que pague? FOTO: REPRODUÇÃO DE VÍDEO |
No vídeo postado no dia 15 de março de 2024, Sanderson informou que a partir de agora os fiéis podem “cumprimentar brevemente” os desassociados, que serão bem recebidos nos Salões do Reino, o local de reunião dos seguidores da religião.
As TJs recorriam a texto bíblicos para justificar o ostracismo como este: “[...] Não o recebam na sua casa, nem o cumprimentem, pois que o cumprimenta participa das obras” (João 9-11).
O objetivo do Corpo Governante era evitar que os desassociados (“pecadores” comparados pela organização a doentes) contaminassem os fiéis, atraindo-os para Satanás.
Contudo, essa “contaminação” passou a ocorrer pela internet, em textos e vídeos postados, com argumentações bem documentadas por ex-TJs, alguns deles ex-anciões (ex-pastores) — pessoas, portanto, com experiência na comunicação com fiéis. E o público se estendeu, não se restringindo aos afiliados, indignando todos que não se conformam com intolerâncias.
Com a expansão da internet, ex-TJs deram visibilidade às discriminações das quais eram vítimas. A TV e a imprensa passaram a cobrir o assunto, além de documentários sobre essa intolerância religiosa. Alguns países começam considerar as TJs como grupo de ódio, contraposição a uma campanha mundial pela inclusão social.
No vídeo em que falou sobre um “ajuste” no relacionamento com os desassociados, Sanderson citou trechos da Bíblia nos quais, segundo ele, fica evidente a compreensão de Jeová com quem se arrepende. Há até reinterpretação de trechos da Bíblia que antes serviam para justificar o ostracismo.
Ele disse que os “irmãos” e “irmãs” agora podem “cumprimentar brevemente” desassociados quando visitarem o Salão do Reino, até apertar a mão deles, estando liberada a comunicação pela internet, como envio de áudio. Alguns TJs já estão ligando para parentes após anos de silêncio.
Sanderson também anunciou mudanças nas tomadas de decisões de expulsão (ou não) de associados.
Pelo protocolo que estava em vigor, uma comissão judicativa composta por três anciões decidia em uma única reunião a expulsão de “um pecador grave” (uma adúltera, por exemplo), sem nenhuma possibilidade de apelo a uma instância superior ou de anulação do julgamento.
De agora em diante, a comissão poderá reunir várias vezes antes expulsar um fiel, instituindo um processo durante o qual poderá haver arrependimento. Não há limite de reuniões, o que pode neutralizar a comissão, dependendo do caso, mas mantendo o “pecador” sob suspeição, uma espécie do purgatório dos católicos.
Políticos de países europeus questionam a existência dessas comissões internas de julgamentos por entenderem que as Testemunhas de Jeová mantêm um aparelho judicial em paralelo aos tribunais de Estado, os quais garantem que ninguém pode ser condenado sem o amplo direito de defesa, conforme a lei.
Outra decisão é que os menores de idade não mais serão submetidos à comissão judicativa. Agora, eles serão visitados em casa por dois anciões e os pais deverão estar presentes.
Essa medida é conveniente às TJs porque manterá nas congregações os fiéis mais jovens, dos quais depende o futuro da organização, e adequará a organização à legislação de países que não permitem a exposição de adolescentes a vexames, como a do Brasil.
Sanderson disse no comunicado que só não serão bem-vindos às congregações os apóstatas, aqueles que “promovem ativamente condutas erradas” e que podem ter “influência perigosa” nos fiéis. Ou seja, os militantes ex-TJs.
O Corpo Governante vinha discutindo há tempos essas e outras mudanças que vão ser anunciadas, sem qualquer consulta aos anciões e fiéis, nas próximas edições da revista A Sentinela. É de se supor que a urgência se impôs recentemente, quando a Justiça da Noruega julgou como legítima a decisão do governo de acabar com a verba pública à organização religiosa.
A organização perdeu esse direito — concedidos às religiões na Noruega — porque sua doutrina de ostracismo afronta os direitos humanos, o que obviamente não pode ser subsidiado por dinheiro público, aliás, por recurso algum. A decisão da justiça norueguesa estabelece um precedente a tribunais de outros países quanto`ao ostracismo.
Também recentemente na Espanha, a Justiça de Torrejón de Ardoz, cidade de 100 mil habitantes, inocentou um ex-fiel que chamou sua antiga religião de “seita destrutiva”.
As TJs se denominam como “a verdadeira igreja”, mas seus anciões nos últimos anos são intimados com frequência pela Justiça terrena para responder sobre acobertamento de pedófilos, tirando a credibilidade da religião, a exemplo do que ocorreu na Igreja Católica pelo mesmo motivo.
Em seu comunicado, Sanderson fez menções aos “apóstatas”, admitindo indiretamente que a militância de ex-TJs abalou a organização. Mas, coincidência ou não, o Corpo Governante anunciou os “ajustes” em sua doutrina após a sinalização de que a organização poderá ser “desassociadas” das verbas públicas de países que prezam mais pelos direitos humanos.
> Com informação do site oficial das Testemunhas de Jeová e de outras fontes. Pelo e-mail paulopes.site@gmail.com, este site garante às TJs para expor a sua versão dos fatos.
Comentários
Postar um comentário