No texto abaixo, professor de história e pesquisador do ateísmo se dirige ao padre segundo o qual as enchentes no Sul se devem ao ateísmo dos gaúchos, entre outros motivos
professor do Curso de História da UFMS/CPNA
Jornal da Nova
Caro padre Paulo Santos da Silva, da paróquia São Vicente de Paulo, de Nova Andradina!
Acredito que não me conhece, e que provavelmente nunca tenha ouvido falar do meu nome. Portanto, me apresento: meu nome é Ricardo Oliveira da Silva, sou professor de História na UFMS, em Nova Andradina, desenvolvo pesquisa sobre história do ateísmo, laicidade e secularismo, e também sou ateu.
Acredito que não me conhece, e que provavelmente nunca tenha ouvido falar do meu nome. Portanto, me apresento: meu nome é Ricardo Oliveira da Silva, sou professor de História na UFMS, em Nova Andradina, desenvolvo pesquisa sobre história do ateísmo, laicidade e secularismo, e também sou ateu.
No entanto, temos algo em comum: ambos somos naturais do RS. Segundo informações divulgadas na imprensa, o senhor é natural de Porto Alegre. Eu sou de Santa Maria. E por um período morei na capital gaúcha.
Até bem recentemente não sabia que o senhor exercia o sacerdócio em Nova Andradina. E lamento a forma como soube de sua presença na cidade. Tive conhecimento de um vídeo que circula nas mídias digitais onde o senhor, durante uma missa, apresentou sua interpretação sobre quais seriam os motivos das enchentes que assolam o RS.
No vídeo que circula o senhor aparenta se posicionar em um “lugar de fala” ao se referir à população do RS como “meu povo”, pelo fato de ter nascido naquele estado e com isso indicar ter conhecimento sobre a realidade daquele estado. Pois bem, eu também sou do RS, e minha avaliação sobre o motivo das enchentes diverge dos argumentos apresentados pelo senhor.
As pesquisas científicas há tempos comprovam que as mudanças climáticas fazem parte da história de nosso planeta. Estudos que também indicam que a ação humana em época mais recente está potencializando de forma preocupante os efeitos dessas mudanças para as pessoas, animais e natureza.
Até bem recentemente não sabia que o senhor exercia o sacerdócio em Nova Andradina. E lamento a forma como soube de sua presença na cidade. Tive conhecimento de um vídeo que circula nas mídias digitais onde o senhor, durante uma missa, apresentou sua interpretação sobre quais seriam os motivos das enchentes que assolam o RS.
No vídeo que circula o senhor aparenta se posicionar em um “lugar de fala” ao se referir à população do RS como “meu povo”, pelo fato de ter nascido naquele estado e com isso indicar ter conhecimento sobre a realidade daquele estado. Pois bem, eu também sou do RS, e minha avaliação sobre o motivo das enchentes diverge dos argumentos apresentados pelo senhor.
"O senhor, padre, reproduz preconceitos arraigados em nossa sociedade sobre pessoas que não acreditam na existência de Deus e as adeptas de religiões de matriz africana" |
As pesquisas científicas há tempos comprovam que as mudanças climáticas fazem parte da história de nosso planeta. Estudos que também indicam que a ação humana em época mais recente está potencializando de forma preocupante os efeitos dessas mudanças para as pessoas, animais e natureza.
Ainda que o senhor, padre Paulo Santos da Silva, possa interpretar o mundo por meio de um viés religioso, não é demérito para sua fé buscar outros referenciais para entender aspectos de nossa realidade. É bom lembrar que muitos católicos trouxeram contribuições para a ciência: Copérnico, Galileu, Gregor Mendel.
No entanto, o senhor optou por atribuir as causas das enchentes no RS ao fato de que as pessoas naquele estado “abraçaram a bruxaria e o satanismo. E se afastaram de Deus”. Mas, ao acompanhar os vídeos sobre os salvamentos e esforços daquela população em superar os efeitos dessa calamidade, o que vejo são imagens de pessoas com explícitas demonstrações de fé no Deus no qual o senhor acredita. O Censo de 2010 revelou que no RS 68,8% da população se declara católica. E 18,3% sendo evangélica. Um total de 87,1% de cristãos no RS.
Mais adiante em sua fala, padre Paulo Santos da Silva, o senhor diz que “o secularismo chegou no Rio Grande do Sul. O estado mais ateu da federação. Existem mais centros de macumba na cidade de Porto Alegre do que no estado da Bahia inteiro”.
No entanto, o senhor optou por atribuir as causas das enchentes no RS ao fato de que as pessoas naquele estado “abraçaram a bruxaria e o satanismo. E se afastaram de Deus”. Mas, ao acompanhar os vídeos sobre os salvamentos e esforços daquela população em superar os efeitos dessa calamidade, o que vejo são imagens de pessoas com explícitas demonstrações de fé no Deus no qual o senhor acredita. O Censo de 2010 revelou que no RS 68,8% da população se declara católica. E 18,3% sendo evangélica. Um total de 87,1% de cristãos no RS.
Mais adiante em sua fala, padre Paulo Santos da Silva, o senhor diz que “o secularismo chegou no Rio Grande do Sul. O estado mais ateu da federação. Existem mais centros de macumba na cidade de Porto Alegre do que no estado da Bahia inteiro”.
Com isso, infelizmente, o senhor reproduz preconceitos arraigados em nossa sociedade sobre pessoas que não acreditam na existência de Deus (o meu caso), e adeptas de religiões de matriz africana, as quais “atraem coisas ruins” (é o que dá a entender sua fala), por não terem fé no Deus cristão.
Eu não sei se o senhor, padre Paulo Santos da Silva, vai ler esse meu texto na forma de uma “carta pública”. Mas, para as pessoas que comungam da fé cristã que por ventura venham a se debruçar sobre esse artigo, gostaria de recordar as palavras de Jesus: “ame ao seu próximo como a si mesmo”.
Ame, independente da crença religiosa que a pessoa tenha, ou não tenha. Ame o próximo e o ajude em seus infortúnios. Me parece que isso é parte fundamental das ações para superar as adversidades que afligem a existência humana, como no caso das enchentes no RS.
Então quer dizer que a culpa da tragédia climática seria dos ateus, bruxos, satanistas e religiões de matriz africana que "tomaram de conta" do estado do Rio Grande do Sul?! Esse Deus dos "cristãos" tem se mostrado bastante punitivo e opressor, não acham?!
— Paulo de Andrade ⚖️ (@e_legalmente) May 19, 2024
Porque esses fanáticos… pic.twitter.com/6XbcRcl2yr
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