Jornalista escreve que o Estado laico no Brasil é uma farsa e que, mesmo assim, os oráculos da atualidade, como o Santuário de Aparecida e o Templo de Salomão, um dia vão se tornar pontos turísticos, como Delfos, na Grécia
Duvida? Pois vá à Escandinávia. É a região do globo, rezam as pesquisas e estatísticas, mais próspera, igualitária e feliz. Nela se concentra a maior taxa de ateus. Os que não creem em deus são 72% dos noruegueses, 80% dos dinamarqueses e 85% dos suecos.
Não há relação comprovada entre ateísmo e bem-estar social. Mas dá o que pensar o fato de que, no último Censo, só 8% dos brasileiros tenham dito não ter religião. São 15,4 milhões de pessoas; bem mais que os espíritas (1,4 milhão) e os adeptos do candomblé e da umbanda (588 mil).
Para os 92% religiosos, os 8% descrentes são uma minoria má e perversa. Expressiva em números absolutos, ela é pacífica e passiva. Aceita de cabeça baixa que as instituições e meios de comunicação, a cultura e as artes os discriminem e façam propaganda de crendices continuamente.
Em teoria, o Estado é laico desde 1891, quando a classe proprietária e seus tentáculos armados — Exército, Marinha e polícias — impuseram a primeira Constituição republicana à massa de agregados e ex-escravos. Na prática, a separação entre religiões e Estado é uma farsa.
A Constituição atual anuncia já no preâmbulo que foi feita “sob a proteção de Deus”. Entra-se no plenário do STF e se topa com a imagem de um homem exangue, sangrando em troncos transversais. A mesma figura de mau gosto adorna o gabinete do presidente da República. É um abuso.
Está firme na cadeira? Então escuta esta: deus não existe. É uma invenção compensatória. Quando falta o que comer e vestir, onde amar e trabalhar em paz, alguns compatriotas recorrem à entidade que seria capaz, se não de prover suas carências, de ao menos servir de consolo.
Com um mínimo de lógica, contudo, conclui-se que não há uma mísera prova disso. A ideia de deus persiste porque na sociedade de consumo bilhões não consomem. As religiões cumprem nela a função de dar um alívio imaginário a quem não o tem na vida real e material.
Os iluministas do século 18 viram no fim da crença em deuses um passo para que a razão vença os mitos. Com perspectivas diferentes, dois dos seus herdeiros, ambos de origem judaica, defenderam o ateísmo. Para Marx, a religião era o coração de um mundo sem coração, o ópio do povo. Para Freud, uma neurose obsessiva da humanidade.
Os ateus estão acoelhados no Brasil. Silenciam ante o avanço da mescla deletéria de política e religião que tanta destruição causou e causa — vide as guerras entre católicos e protestantes na Europa dos séculos 16 e 17 e o atual morticínio que Israel perpetra em Gaza.
Defender os ateus é defender a razão, a única via para que a humanidade supere as carências que geram a obscuridade religiosa.
Mario Sergio Conti
jornalista
Folha de S.Paulo
A religião helênica [da Grécia, em Delfos] está mortinha da silva. Isso permite um vaticínio a este oráculo paulistano: um dia, Meca, o Muro das Lamentações, o Vaticano — e, aqui, o Santuário de Aparecida e o Templo de Salomão, no Brás — só atrairão admiradores do engenho humano, e não crentes no além.
Duvida? Pois vá à Escandinávia. É a região do globo, rezam as pesquisas e estatísticas, mais próspera, igualitária e feliz. Nela se concentra a maior taxa de ateus. Os que não creem em deus são 72% dos noruegueses, 80% dos dinamarqueses e 85% dos suecos.
Não há relação comprovada entre ateísmo e bem-estar social. Mas dá o que pensar o fato de que, no último Censo, só 8% dos brasileiros tenham dito não ter religião. São 15,4 milhões de pessoas; bem mais que os espíritas (1,4 milhão) e os adeptos do candomblé e da umbanda (588 mil).
Eis o que restou do oráculo de Delfos, que foi considerado o centro do universo FOTO: DIVULGAÇÃO |
Para os 92% religiosos, os 8% descrentes são uma minoria má e perversa. Expressiva em números absolutos, ela é pacífica e passiva. Aceita de cabeça baixa que as instituições e meios de comunicação, a cultura e as artes os discriminem e façam propaganda de crendices continuamente.
Em teoria, o Estado é laico desde 1891, quando a classe proprietária e seus tentáculos armados — Exército, Marinha e polícias — impuseram a primeira Constituição republicana à massa de agregados e ex-escravos. Na prática, a separação entre religiões e Estado é uma farsa.
A Constituição atual anuncia já no preâmbulo que foi feita “sob a proteção de Deus”. Entra-se no plenário do STF e se topa com a imagem de um homem exangue, sangrando em troncos transversais. A mesma figura de mau gosto adorna o gabinete do presidente da República. É um abuso.
Está firme na cadeira? Então escuta esta: deus não existe. É uma invenção compensatória. Quando falta o que comer e vestir, onde amar e trabalhar em paz, alguns compatriotas recorrem à entidade que seria capaz, se não de prover suas carências, de ao menos servir de consolo.
Com um mínimo de lógica, contudo, conclui-se que não há uma mísera prova disso. A ideia de deus persiste porque na sociedade de consumo bilhões não consomem. As religiões cumprem nela a função de dar um alívio imaginário a quem não o tem na vida real e material.
Os iluministas do século 18 viram no fim da crença em deuses um passo para que a razão vença os mitos. Com perspectivas diferentes, dois dos seus herdeiros, ambos de origem judaica, defenderam o ateísmo. Para Marx, a religião era o coração de um mundo sem coração, o ópio do povo. Para Freud, uma neurose obsessiva da humanidade.
Os ateus estão acoelhados no Brasil. Silenciam ante o avanço da mescla deletéria de política e religião que tanta destruição causou e causa — vide as guerras entre católicos e protestantes na Europa dos séculos 16 e 17 e o atual morticínio que Israel perpetra em Gaza.
Defender os ateus é defender a razão, a única via para que a humanidade supere as carências que geram a obscuridade religiosa.
> Íntegra do artigo, que na Folha de S. Paulo foi publicado com o título "Defender os ateus é defender a razão".
Comentários
Parece que o autor e o Paulo nunca ouviram falar dos grupos de helenismo, surgidos no século XVIII. Reconstrução cultural de algo que estava apenas latente com a imposição do Cristianismo. Parece que a intenção do autor e do Paulo é de impor o ateísmo. Podem bater o pé e fazer beicinho. Toda nossa cultura (inclusive a ciência) vem dos povos antigos, todos, religiosos.
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