Pular para o conteúdo principal

O Sudário de Turim ainda intriga muita gente. Uma discussão longa sobre uma falsidade

Datação por carbono-14 aponta que a obra foi produzida na Idade Média; na época missionários procuravam por relíquias como pedaço de cruz e prepúcio de Jesus


Eric Vanden Eykel
professor associado de estudos religiosos, Ferrum College, Estados Unidos

The Conversationl
plataforma de informação produzida por acadêmicos e jornalistas

A Catedral de São João Batista em Turim, Itália, abriga um artefato fascinante: uma mortalha de pano enorme que carrega a imagem sombria de um homem que parece ter sido crucificado. Milhões de cristãos ao redor do mundo acreditam que esta mortalha — comumente chamada de Sudário de Turim — é o pano usado para enterrar Jesus após sua crucificação e que a imagem na mortalha foi produzida milagrosamente quando ele ressuscitou.

As evidências, no entanto, contam uma história diferente.

Cientistas questionaram a validade das alegações sobre o sudário ser um objeto do primeiro século. Evidências da datação por carbono-14 apontam para o sudário ser uma criação da Idade Média. 

Os céticos, no entanto, descartam esses testes como falhos. O sudário continua sendo um objeto de fé, intriga e controvérsia que reaparece periodicamente na esfera pública, como aconteceu nas últimas semanas.

Como estudioso do cristianismo primitivo, há muito tempo me interesso por que as pessoas são motivadas a criar objetos como o sudário e também por que as pessoas são atraídas a reverenciá-los como autênticos.

O sudário e sua história

A primeira aparição pública do sudário foi em 1354, quando foi exibido publicamente em Lirey, uma pequena comuna no centro da França. Peregrinos cristãos viajaram de todos os lugares para contemplar a imagem de Jesus crucificado.

Peregrinações como essa eram comuns durante a Idade Média, quando relíquias de pessoas santas começaram a aparecer por toda a Europa. O comércio de relíquias era um grande negócio na época; relíquias eram compradas e vendidas, e os peregrinos frequentemente pagavam uma taxa para visitá-las.

Muitos acreditavam que essas relíquias eram genuínas. Além do sudário, os peregrinos visitavam o berço de Jesus, lascas da cruz e o prepúcio de Jesus, só para citar alguns.

Mas mesmo no século XIV, quando o comércio de relíquias na Europa estava florescendo, alguns estavam desconfiados.

Em 1390, apenas algumas décadas após o sudário ter sido exibido em Lirey, um bispo francês chamado Pierre d'Arcis afirmou em uma carta ao papa Clemente VII não apenas que o sudário era falso, mas que o artista responsável por sua criação já havia confessado tê-lo criado. Clemente VII concordou com a avaliação do sudário, embora tenha permitido sua exibição contínua como uma peça de arte religiosa.

O sudário e a ciência


O sudário tem sido objeto
de muita investigação
científica nas últimas
décadas. Dados de testes
científicos correspondem
ao que os estudiosos sabem
sobre o sudário a partir
de registros históricos

Em 1988, uma equipe de cientistas usou a datação por carbono-14 para determinar quando o tecido do sudário foi fabricado. Os testes foram realizados em três laboratórios, todos trabalhando de forma independente. Com base nos dados desses laboratórios, os cientistas disseram haver “evidências conclusivas” de que o sudário se originou entre os anos de 1260 e 1390.

Resultados de outro estudo científico mais de 30 anos depois pareceram desmascarar essas descobertas. Usando uma técnica avançada de raios X para estudar a estrutura dos materiais, os cientistas concluíram que o tecido do sudário era muito mais antigo e provavelmente poderia ser do primeiro século. 

Eles também notaram, no entanto, que seus resultados poderiam ser considerados conclusivos apenas se o sudário tivesse sido armazenado em uma temperatura e umidade relativamente constantes — entre 68-72,5 graus Fahrenheit e 55% a 75% — por dois milênios inteiros.

Isso seria altamente improvável para qualquer artefato daquele período. E quando se trata do sudário, as condições sob as quais ele sobreviveu foram menos que ideais.

Em 1532, enquanto o sudário estava sendo guardado em Chambéry, no sul da França, o prédio onde ele estava abrigado pegou fogo. A caixa de prata que continha o sudário derreteu; apesar das tentativas intrincadas de reparo, as marcas de queimadura no tecido permanecem visíveis até hoje. Ele foi salvo de outro incêndio em Turim em 1997.

Apesar do debate em andamento, os resultados da datação por carbono 14 continuaram a fornecer as evidências científicas mais convincentes de que o sudário é um produto da Idade Média e não uma relíquia antiga.

O sudário como arte religiosa

O sudário é inegavelmente uma obra de arte magistral, trabalhada com habilidade notável e usando métodos que eram complicados e à frente de seu tempo.

Durante séculos, muitos especialistas lutaram para entender como a imagem era impressa no tecido, e foi somente em 2009 que os cientistas conseguiram reproduzir com sucesso a técnica usando métodos e materiais medievais.

O papa Francisco certa vez se referiu ao sudário como um “ícone”, um tipo de arte religiosa que pode ser usada para uma variedade de propósitos, incluindo ensino, expressão teológica e até mesmo adoração.

Sem abordar a autenticidade do sudário, o papa sugeriu que, ao incitar a reflexão sobre o rosto e o corpo de Jesus crucificado, o sudário encorajava as pessoas a também considerarem aqueles ao seu redor que podem estar sofrendo.

É pelo menos possível que o sudário tenha sido criado como uma ferramenta que encorajaria os espectadores a meditar sobre a morte de Jesus de uma forma tangível.

No final das contas, o sudário de Turim continuará a intrigar e atrair tanto crentes quanto céticos para um debate que já dura séculos. Mas acredito que o sudário encoraja os espectadores a pensar sobre como história, arte e crença se unem e influenciam como vemos o passado.

Comentários

betoquintas disse…
Eu escrevi sobre isso. https://betoquintas.blogspot.com/2024/08/bonita-camisa-fernandinho.html
Clique no botão laranja e leia.

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Roger tenta anular 1ª união para se casar com Larissa Sacco

Médico é acusado de ter estuprado pacientes Roger Abdelmassih (foto), 66, médico que está preso sob a acusação de ter estuprado 56 pacientes, solicitou à Justiça autorização  para comparecer ao Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de São Paulo de modo a apresentar pedido de anulação religiosa do seu primeiro casamento. Sônia, a sua segunda mulher, morreu de câncer em agosto de 2008. Antes dessa união de 40 anos, Abdelmassih já tinha sido casado no cartório e no religioso com mulher cujo nome ele nunca menciona. Esse casamento durou pouco. Agora, o médico quer anular o primeiro casamento  para que possa se casar na Igreja Católica com a sua noiva Larissa Maria Sacco (foto abaixo), procuradora afastada do Ministério Público Federal. Médico acusado de estupro vai se casar com procuradora de Justiça 28 de janeiro de 2010 Pelo Tribunal Eclesiástico, é possível anular um casamento, mas a tramitação do processo leva anos. A juíza Kenarik Boujikian Felippe,  da 16ª

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Estudante expulsa acusa escola adventista de homofobia

Arianne disse ter pedido outra com chance, mas a escola negou com atualização Arianne Pacheco Rodrigues (foto), 19, está acusando o Instituto Adventista Brasil Central — uma escola interna em Planalmira (GO) — de tê-la expulsada em novembro de 2010 por motivo homofóbico. Marilda Pacheco, a mãe da estudante, está processando a escola com o pedido de indenização de R$ 50 mil por danos morais. A primeira audiência na Justiça ocorreu na semana passada. A jovem contou que a punição foi decidida por uma comissão disciplinar que analisou a troca de cartas entre ela e outra garota, sua namorada na época. Na ata da reunião da comissão consta que a causa da expulsão das duas alunas foi “postura homossexual reincidente”. O pastor  Weslei Zukowski (na foto abaixo), diretor da escola, negou ter havido homofobia e disse que a expulsão ocorreu em consequência de “intimidade sexual” (contato físico), o que, disse, é expressamente proibido pelo regulamento do estabelecimento. Consel

Seleção de vôlei sequestrou palco olímpico para expor crença cristã

Título original: Oração da vitória por Daniel Sottomaior (foto) para Folha de S.Paulo Um hipotético sujeito poderoso o suficiente para fraudar uma competição olímpica merece ser enaltecido publicamente? A se julgar pela ostensiva prece de agradecimento da seleção brasileira de vôlei pela medalha de ouro nas Olimpíadas, a resposta é um entusiástico sim! Sagrado é o direito de se crer em qualquer mitologia e dá-la como verdadeira. Professar uma religião em público também não é crime nenhum, embora costume ser desagradável para quem está em volta. Os problemas começam quando a prática religiosa se torna coercitiva, como é a tradição das religiões abraâmicas. Os membros da seleção de vôlei poderiam ter realizado seus rituais em local mais apropriado. É de se imaginar que uma entidade infinita e onibenevolente não se importaria em esperar 15 minutos até que o time saísse da quadra. Mas uma crescente parcela dos cristãos brasileiros não se contenta com a prática privada: para

Com 44% de ateus, Holanda usa igrejas como livrarias e cafés

Livraria Selexyz, em Maastricht Café Olivier, em Utrecht As igrejas e templos da Holanda estão cada vez mais vazios e as ordens religiosas não têm recursos para mantê-los. Por isso esses edifícios estão sendo utilizados por livrarias, cafés, salão de cabeleireiro, pistas de dança, restaurantes, casas de show e por aí vai. De acordo com pesquisa de 2007, a mais recente, os ateus compõem 44% da população holandesa; os católicos, 28%; os protestantes, 19%; os muçulmanos, 5%, e os fiéis das demais religiões, 4%. A maioria da população ainda acredita em alguma crença, mas, como ocorre em outros países, nem todos são assíduos frequentadores de celebrações e cultos religiosos. Algumas adaptações de igrejas têm sido elogiadas, como a de Maastricht, onde hoje funciona a livraria Selexyz (primeira foto acima). A arquitetura realmente impressiona. O Café Olivier (a segunda foto), em Utrecht, também ficou bonito e agradável. Ao fundo, em um mezanino, se destaca o órgão da antiga ig

Cristianismo é a religião que mais perseguiu o conhecimento científico

Cristãos foram os inventores da queima de livros LUÍS CARLOS BALREIRA / opinião As epidemias e pandemias durante milhares de anos antes do cristianismo tiveram as mais estapafúrdias explicações dos deuses. Algumas mentes brilhantes da antiguidade, tais como Imhotep (2686-2613 a.C.) e Hipócrates (460-377 a.C.) tentaram passar explicações científicas para as massas de fanáticos religiosos, ignorantes, bestas humanas. Com a chegada ao mundo das feras cristãs, mergulhamos numa era de 2000 anos de trevas e ignorância. Os cristãos foram os inventores da queima de livros e bibliotecas. O cristianismo foi a religião que mais perseguiu o conhecimento científico e os cientistas. O Serapeu foi destruído em 342 d.C. por ordem de um bispo cristão de Alexandria, sob a proteção de Teodósio I.  Morte de Hipatia de Alexandrina em ilustração de um livro do século 19 A grande cientista Hipátia de Alexandria (351/370) foi despida em praça pública e dilacerada viva pelas feras e bestas imundas cristãs. So

Malafaia diz que Feliciano é vítima do PT, gays e ateus

Para pastor Malafaia,  há um  complô  contra seu colega Silas Malafaia (foto) afirmou que são os petistas, gays e ateus que estão movendo uma campanha de descrédito contra o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP). Em uma nota de alerta aos pastores para que não assinem uma carta pedindo o afastamento de Feliciano da presidência da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias, Malafaia disse estar em jogo, nesse caso, o interesse dos petistas que querem desviar a atenção da opinião pública para a posse de dois de seus integrantes condenados pelo crime do mensalão em uma das mais importantes comissões da Câmara. Trata-se dos deputados José Genoíno e João Paulo Cunha, que agora fazem parte da Comissão de Constituição e Justiça. “Eles [os petistas] precisavam desviar da sociedade o foco deste fato”, afirmou Malafaia. Outro motivo, segundo ele, é que Feliciano é “um ferrenho opositor dos privilégios” defendidos pelos ativistas gays, além de combater, por exemplo, a legaliza

Drauzio Varella afirma por que ateus despertam a ira de religiosos

Xuxa pede mobilização contra o 'monstro' Marco Feliciano

Pela primeira vez a apresentadora se envolve em uma polêmica A apresentadora da Rede Globo Xuxa (foto) afirmou em sua página no Facebook que o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP), o novo presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, não é “um religioso, é um monstro”. Sem citar o nome de Feliciano, ela ficou indignada ao ler que “esse deputado disse que negros, aidéticos e homossexuais não têm alma”. “Vamos fazer alguma coisa! Em nome de Deus, ele não pode ter poder.” É a primeira vez que Xuxa pede mobilização de seus fãs em uma questão polêmica. Amiga do padre Marcelo Rossi, ela é católica praticante. No Facebook, em seu desabafo, escreveu sete vezes a palavra "Deus" e argumentou que todos sabem que ela respeita todas as religiões. A apresentadora também se mostrou abalada ao saber que Feliciano, durante uma pregação, pediu a senha do cartão bancário de um fiel. “O que é isso, meu povo?” “Essa pessoa não pode ser presidente da C