Preparados homeopáticos são feitos de nada, e não deveria haver desperdício de recursos públicos com isso
Natalia Pasternak
Natalia Pasternak
microbiologista, professora e pesquisadora na Universidade de Columbia (EUA), presidente do Instituto Questão de Ciência e autora de “Que Bobagem! Pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério”
Imagine alguém que seja abordado em uma pesquisa de opinião com a seguinte pergunta: “Práticas que comprovadamente não funcionam para tratar nada deveriam ser oferecidas no SUS?”.
Dificilmente alguém responderia que sim. Fazê-lo fere o princípio do uso racional de recursos públicos. No entanto, nosso Sistema Único de Saúde abraça a homeopatia, pseudociência que no Brasil conta com o endosso do Conselho Federal de Medicina e do Ministério da Saúde, que a reconhecem como especialidade médica e Prática Integrativa e Complementar.
O “debate” sobre a eficácia da homeopatia já está tão decidido quanto o da forma da Terra. A teoria homeopática — que requer diluições seguidas do suposto princípio ativo até que no “medicamento” final só exista água, ou álcool, ou açúcar — viola tudo o que a ciência conhece sobre química e biologia.
Também sabemos, graças a inúmeros testes e estudos exaustivos, que na prática o tratamento homeopático não passa de um placebo. Já faz quase 20 anos que a revista médica britânica Lancet clamou, em editorial, pelo “fim da homeopatia”.
Pode-se argumentar que a homeopatia é popular. Mas será que seus fãs sabem o que admiram?
Pesquisa conduzida pelo Center for Inquiry, associação sem fins lucrativos baseada nos EUA, mostrou que a maior parte das pessoas que compram produtos homeopáticos nas farmácias desconhecem como são feitos, em que diferem de medicamentos convencionais e quais são os princípios teóricos da homeopatia. Muitos acreditavam serem “remédios de plantas”.
Quando a lei das diluições foi explicada, sentiram-se enganados e frustrados. Achavam estarem adquirindo um remédio testado e aprovado pela FDA (agência regulatória de medicamentos e alimentos dos EUA), da mesma maneira que qualquer outro medicamento.
O fato é que preparados homeopáticos são feitos de nada.
Portanto, a pergunta que deve ser formulada não é se homeopatia ou outras práticas ditas integrativas e complementares devem estar no Sistema Único de Saúde. A pergunta correta é: “Pensamento mágico e remédios de mentira deveriam fazer parte do SUS?”.
Na esfera pessoal, cada um tem o direito de decidir o que quiser sobre sua saúde e como se tratar. Mas, quando se trata de estabelecer uma política que consumirá recursos públicos, o que para cada um de nós poderia ser apenas questão de gosto vira questão de eficácia e da evidência que sustenta essa eficácia.
O consenso científico internacional, após inúmeros estudos clínicos, além de revisões e análises estatísticas que combinam os resultados de estudos diversos, é que a homeopatia não funciona melhor do que um placebo: uma pílula de mentira.
Essa conclusão sólida levou países como Inglaterra, Austrália e França a retirarem a prática de suas redes públicas de saúde. Nos Estados Unidos, o órgão federal de defesa do consumidor passou a exigir que todo medicamento homeopático informe, na bula, que é baseado em princípios contrários ao conhecimento científico.
O Brasil, portanto, deve parar de desperdiçar recursos escassos de saúde pública no que, no fim, não passa de terraplanismo médico.
> Esse artigo foi publicado originalmenta na Folha de S. Paulo com o título O SUS deve continuar investindo em homeopatia? NÃO
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