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Saiba quem foi Christopher Hitchens, o intelectual que declarou guerra à religião

Autor do livro "Deus não é Grande," o pensador deixa saudade neste momento em que o nacionalismo cristão e o islamismo agem com protagonismo. Nasceu em 1949 e morreu em 2011


Freethinkers International
boletim do Reino Unido fundado em 1881 em defesa da liberdade, razão e humanidade 

Christopher Hitchens, o autor, jornalista e orador britânico-americano, foi um crítico feroz da religião, reverenciado por seu intelecto, sagacidade e postura ousada e assumida em questões controversas.

Mais conhecido por seu livro de 2007 God Is Not Great: How Religion Poisons Everything [Deus não é grande: como a religião envenena], Hitchens foi uma figura de liderança no movimento do Novo Ateísmo, onde ele protestou contra a religião organizada como uma força corruptora na história humana.

Sua carreira como intelectual público foi marcada por polêmicas, humor afiado e um compromisso inabalável com a liberdade de expressão, secularismo e investigação crítica. 

As críticas mordazes de Hitchens ao dogma religioso, autoritarismo e hipocrisia fizeram dele uma voz formidável em debates modernos sobre fé, política e ética.

Uma vida de oposição e convicção

Christopher Hitchens nasceu em Portsmouth, Inglaterra, em 1949, em uma família militar de classe média. Seu sucesso acadêmico inicial lhe rendeu uma vaga na Universidade de Oxford, onde estudou filosofia, política e economia.

Foi durante esse período que Hitchens se tornou politicamente ativo, engajando-se em causas esquerdistas e desenvolvendo um compromisso vitalício de desafiar a autoridade.

Após a universidade, ele começou uma carreira no jornalismo, escrevendo para publicações de esquerda como The New Statesman e The Nation, onde aprimorou suas habilidades como provocador e intelectual público.

A jornada política e intelectual de Hitchens foi marcada por sua feroz independência e recusa em se alinhar a qualquer campo ideológico em particular. 
No início de sua carreira, ele era um trotskista e um crítico do imperialismo dos EUA, mas depois apoiou a Guerra do Iraque, uma posição que afastou muitos de seus antigos aliados da esquerda.

Sua curiosidade intelectual o levou a escrever sobre uma ampla gama de assuntos, de literatura e política a história e religião. 

Seus livros sobre figuras como George Orwell e Thomas Jefferson revelaram sua admiração por livres-pensadores e radicais, enquanto suas polêmicas contra Henry Kissinger e Bill Clinton demonstraram sua disposição de desafiar os poderosos.

A contribuição mais controversa e duradoura de Hitchens, no entanto, foi sua crítica à religião, que culminou em God Is Not Great. 

Nesta acusação mordaz à fé organizada, Hitchens argumentou que a religião fomenta a ignorância, a intolerância e a violência, e que a humanidade estaria melhor sem ela. 


Sua defesa implacável
e oratória brilhante
fizeram dele uma das
vozes mais visíveis e
influentes no debate 
global sobre religião

Religião como Veneno

O principal alvo intelectual de Hitchens era a religião, que ele considerava não apenas irracional, mas também ativamente prejudicial. 

Em God Is Not Great, Hitchens argumentou que a religião, longe de ser uma força moral ou espiritual, era responsável por grande parte da violência, intolerância e repressão na história humana. 

De guerras religiosas e perseguições à supressão do progresso científico, Hitchens via a fé organizada como um motor de crueldade e ignorância.

Uma de suas principais alegações era que a religião promove uma mentalidade totalitária, exigindo obediência à autoridade e sufocando o livre pensamento.

Ele criticou não apenas o cristianismo e o islamismo, mas também o judaísmo, o hinduísmo e outros sistemas de crença, argumentando que os ensinamentos religiosos frequentemente justificam o sexismo, a homofobia e a xenofobia.

Hitchens observou com a famosa frase: "A religião é feita pelo homem", afirmando que ela serve aos interesses humanos — particularmente aqueles das elites religiosas — em vez de qualquer propósito divino.

Hitchens também mirou na ideia de moralidade divina, questionando os fundamentos éticos da Bíblia e do Alcorão. Ele apontou para os muitos casos de violência, misoginia e intolerância em textos sagrados, argumentando que nenhuma divindade benevolente poderia sancionar tal comportamento. 

No lugar da moralidade religiosa, Hitchens defendeu uma abordagem secular e humanista à ética, baseada na razão, na empatia e nos valores compartilhados da humanidade.

Crenças Essenciais

No cerne da visão de mundo de Hitchens estava uma crença firme na razão e no humanismo secular . Ele via os valores do Iluminismo de investigação crítica, ceticismo e liberdade de expressão como o antídoto para o dogma religioso e o autoritarismo. 

Hitchens argumentava que o progresso humano — das descobertas científicas aos direitos civis — havia sido alcançado apesar da religião, não por causa dela. Ele acreditava que o potencial da humanidade só poderia ser plenamente realizado quando ela se libertasse das restrições da superstição e abraçasse o pensamento racional.

Hitchens era um defensor ferrenho da liberdade de expressão e da liberdade intelectual. Ele acreditava que todas as ideias, incluindo as religiosas, deveriam ser submetidas a um rigoroso escrutínio, e era altamente crítico da correção política e de qualquer forma de censura. Sua disposição em assumir vacas sagradas e tópicos controversos lhe rendeu admiração e inimizade. 

Seja discutindo o conflito israelense-palestino, a guerra no Iraque ou suas críticas à Madre Teresa (a quem ele se referiu como "uma fanática, uma fundamentalista e uma fraude"), Hitchens nunca se esquivou de expressar opiniões impopulares ou controversas.

Embora o ateísmo de Hitchens fosse uma característica definidora de sua persona pública, sua filosofia mais ampla estava enraizada na crença de que os seres humanos, por meio da razão e da cooperação, poderiam melhorar suas vidas e construir um mundo mais justo e equitativo. 

Ele estava profundamente preocupado com os perigos do totalitarismo, seja na forma de fundamentalismo religioso ou ditadura secular, e muito de seu trabalho pode ser visto como uma defesa da liberdade individual e da dignidade humana.

Oposição enfrentada

Os ataques inflexíveis de Hitchens à religião e seu apoio a causas políticas controversas lhe renderam muitos detratores. Líderes religiosos e crentes de várias religiões condenaram seus argumentos como arrogantes, ofensivos e excessivamente simplistas.

 Suas duras críticas ao islamismo, particularmente após os eventos de 11 de setembro de 2001, fizeram dele uma figura polarizadora. Hitchens argumentou que o fundamentalismo islâmico representava uma séria ameaça às sociedades liberais e seculares, mas sua retórica era frequentemente vista como inflamatória, especialmente por aqueles que a viam como alimentadora do sentimento antimuçulmano.

Na frente política, o apoio vocal de Hitchens à invasão do Iraque liderada pelos EUA afastou muitos na esquerda, que antes admiravam suas críticas à política externa americana. 

Hitchens acreditava que derrubar Saddam Hussein era um imperativo moral, argumentando que a ditadura e o extremismo religioso eram os verdadeiros inimigos do progresso no Oriente Médio. No entanto, conforme a guerra se arrastava e a situação no Iraque se deteriorava, a posição de Hitchens se tornou cada vez mais controversa, e ele enfrentou duras críticas de antigos aliados e oponentes políticos.

Apesar dessas controvérsias, Hitchens permaneceu inabalável, saboreando o papel de provocador intelectual e do contraditório. Sua habilidade de reunir fatos históricos, literatura e filosofia em seus argumentos, juntamente com sua sagacidade afiada, fizeram dele um debatedor formidável e um orador popular.

Legado e relevância moderna

O legado de Christopher Hitchens como polemista, livre-pensador e defensor do secularismo ainda é sentido hoje. God Is Not Great continua sendo uma obra seminal no movimento do Novo Ateísmo, ao lado dos escritos de Richard Dawkins, Sam Harris e Daniel Dennett.

Suas críticas ferozes ao dogma religioso continuam a ressoar em debates contemporâneos sobre o papel da religião na vida pública, particularmente em discussões sobre secularismo, educação e liberdade de expressão.

As contribuições mais amplas de Hitchens para o discurso político e cultural também continuam a influenciar pensadores em todo o espectro político. Suas críticas ao totalitarismo, da teocracia religiosa à tirania stalinista, refletem sua preocupação ao longo da vida com a liberdade individual e os perigos do poder descontrolado. 

No clima político polarizado de hoje, a firme defesa de Hitchens da liberdade de expressão e do debate intelectual parece mais relevante do que nunca.

Embora as posições de Hitchens frequentemente cortejassem controvérsias, sua capacidade de se envolver com tópicos difíceis e divisivos — seja religião, guerra ou política — fez dele um dos intelectuais públicos mais convincentes de seu tempo. 

Seu legado é de coragem intelectual, investigação destemida e um compromisso inabalável em desafiar o status quo.

Análise Crítica

Embora a eloquência e o rigor intelectual de Hitchens fossem amplamente admirados, seu estilo polêmico e posições provocativas também atraíram críticas. Alguns o acusaram de simplificar demais questões religiosas e políticas complexas, particularmente em suas críticas à fé. 

Seus oponentes argumentaram que sua rejeição total à religião falhou em levar em conta os papéis positivos que a fé e a espiritualidade podem desempenhar na vida das pessoas, incluindo como fontes de comunidade, conforto e orientação ética.

Outros criticaram Hitchens por sua retórica agressiva, que eles achavam que poderia alienar aqueles que poderiam simpatizar com seus argumentos. Suas críticas afiadas a figuras públicas, como sua infame denúncia de Madre Teresa em The Missionary Position (1995), foram vistas por alguns como excessivamente duras ou desrespeitosas.

No entanto, a habilidade de Hitchens de provocar o pensamento e estimular o debate era uma de suas maiores forças. Sua disposição de desafiar vacas sagradas e se envolver com ideias controversas fez dele uma figura formidável, mesmo que nem todos os seus argumentos fossem universalmente aceitos.

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