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Evolução negou um tesouro ao homem, o osso do pênis

Os primeiros primatas, surgidos ao final do Cretácio, tinham o báculo, mantendo-o. Os hominídios nunca tiveram


A. Victoria de Andrés Fernández 
professora catedrática do Departamento de Biologia Animal da Universidade de Málaga, Espanha

The Conversationl
plataforma de informação produzida por acadêmicos e jornalistas

Todos estamos preocupados com o bom funcionamento do nosso corpo. No entanto, não vivenciamos todas as deficiências e patologias físicas da mesma forma.

A prioridade número um é que estejamos vivos, por isso, logicamente, órgãos como o cérebro, os pulmões e o coração gozam do nosso interesse preferencial. 

Em relação ao resto, e embora não sejam absolutamente vitais, o bom funcionamento das engrenagens biológicas que intervêm na nossa fisiologia sexual suscita muitas preocupações. 

No caso específico do sexo masculino, o fracasso em conseguir uma ereção pode assumir a dimensão de um drama, dependendo da psique e condições de saúde física de cada um.

Mas o que acontece em outros animais? Eles também têm problemas de ereção?

O que é, fisiologicamente, uma ereção?

Em condições normais, um ambiente propício à prática sexual ativa o sistema nervoso autônomo, provocando aumento dos níveis de óxido nítrico (um vasodilatador) nas artérias trabeculares e na musculatura lisa do pênis. 

A consequência é o influxo de sangue para os corpos cavernosos do pênis e, em menor extensão, para o corpo esponjoso. Simultaneamente, os músculos isquiocavernoso e bulboesponjoso comprimem as veias dos corpos cavernosos, restringindo a saída e a circulação desse sangue para fora do apêndice copulador.

Em decorrência da porta de entrada do sangue e do fecho das portas de saída, os corpos cavernosos enchem-se de líquido, incham devido a um aumento progressivo da pressão arterial (que pode atingir várias centenas de mm Hg) e o pênis fica ereto. Quando a atividade parassimpática diminui e os músculos relaxam, o sangue é drenado pelas veias mencionadas e o pênis retorna ao estado flácido.

É evidente, portanto, que são necessários tempo e estimulação para o pênis ficar ereto. Porém, diante de determinados problemas de saúde, tanto físicos  (principalmente cardiovasculares) quanto psicológicos, esse sistema deixa de funcionar corretamente, impossibilitando a relação sexual e incomodando o usuário.


Diferentemente
dos humanos,
chimpanzés e
bonobos possuem
osso peniano, báculo


Existem mecanismos alternativos na natureza?

Embora possa parecer surpreendente, a modalidade peniana humana é bastante excepcional. Na verdade, a maioria dos mamíferos conta com “assistência óssea” para manter o pênis ereto. Trata-se do chamado báculo, osso localizado no eixo longitudinal do pênis que permite ao macho penetrar com eficiência a qualquer momento, mas, acima de tudo, favorece o prolongamento do tempo de cópula.

Essa descendência surpreendente é muito variada. Na verdade, “o mais diverso de todos os ossos” (como passou a ser chamado) não só adquire formas plurais como também manifesta tamanhos muito diferentes: desde ser quase vestigial em algumas espécies de lêmures até adquirir grandes dimensões, como 65 cm de comprimento que pode estar presente em morsas machos.

Pelo contrário, marsupiais, hienas, alguns lagomorfos como os coelhos e também equídeos partilham esta ausência com os humanos. Esse grupo de “machos discriminados” também carece de uma segunda vantagem, uma vez que o báculo, quando alongado, protege a uretra em cópulas prolongadas limitando a sua constrição distal, mantendo-a aberta e facilitando o fluxo dos espermatozoides através dela.
Mas por que os homens não têm osso peniano?

Se os primeiros primatas, surgidos no final do Cretáceo, tinham báculo, e isso se manteve na maioria dos grupos de mamíferos que surgiram, por que ele se perdeu na linha evolutiva que gerou a nossa espécie?

A explicação poderia ser que o báculo favoreceria estratégias reprodutivas em populações com altos níveis de seleção sexual pós-copulatória. 

Na verdade, as espécies de primatas poligâmicos (onde a competição sexual é muito intensa) têm báculos mais longos que os dos monogâmicos, o que lhes permitiria prolongar a relação sexual. Ou seja, a fêmea ficaria “ocupada” por mais tempo, impedindo-a de copular com outros machos e, consequentemente, aumentando as chances de o sortudo “baculado” legar seus genes para a próxima geração. 

Essa hipótese foi confirmada numa curiosa experiência com dois grupos de ratos, um deles forçado à monogamia.

E… prêmio! Ao longo de 27 gerações, o tamanho do osso peniano foi reduzido no grupo monogâmico. Parece, portanto, que se nos tornarmos monogâmicos a pressão seletiva a favor da manutenção do báculo é reduzida.

Por outro lado, há cerca de dois milhões de anos, perdeu-se o pedaço do cromossomo que continha a sequência de DNA que codificava o báculo. Essa mutação (deleção) ocorreu quando nossa linhagem de primatas bípedes (os hominídeos) já estava bastante avançada e separada, 4 milhões de anos antes, daquela que deu origem aos chimpanzés e aos bonobos (que são polígamos e possuem báculo).

Isso nos levaria à interessante conclusão de que os hominídeos se tornaram monogâmicos naquele período, fazendo desaparecer as pressões evolutivas em favor da manutenção do báculo.

Quem realmente perde nesta história, os homens ou as mulheres?

Em Unfair Sex, publicado recentemente, explico que as coisas nem sempre são o que parecem quando vistas através do prisma evolutivo.

No caso do osso peniano, aparentemente, parece uma clara desvantagem ter que “trabalhar” a ereção do pênis, principalmente quando qualquer contratempo, físico ou psicológico, pode gerar mais de uma situação comprometedora para o homem. 

Analisando esse fato do ponto de vista evolutivo, as coisas não seriam tão claras. Com o desaparecimento dos altos níveis de competição sexual pós-copulatória, o único objetivo dos machos hominídeos durante a cópula ficaria restrito exclusivamente à ejaculação.

Se, em termos de eficiência biológica, não importa se a relação sexual é “rápida”… não poderíamos pensar que quem realmente perde são as mulheres?

> Esse texto foi publicado originalmente com o título El hueso del pene: el tesoro que la evolución les negó a los hombres

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