Para mim, falar (leia-se também rezar, orar) com deus é tão estranho como escutá-lo
Paulo Lopes
Tenho insônia e tomo um remedinho para dormir. Há uma semana, passei no médico de plantão no posto de Saúde para pegar uma nova receita. Disse a ele que, sem medicação, eu não dormia direito havia três noites e que, com isso, estava ficando irritado.
Conversa vaivém, e o médico perguntou:
— Você escuta vozes?
Depois do delírio bolsonarista, de gente orando para pneu velho e tentando obter a solidariedade de deus e ETs, talvez tal pergunta tenha entrado no protocolo da psiquiatria brasileira. A conferir.
Respondi ao médico que sim, que escuto uma voz — e não tanto quanto gostaria, mas ela vem mim mesmo. É a voz da consciência.
Já escrevi que talvez uma vantagem dos ateus é que não corremos o risco de ouvir vozes sobrenaturais, do além, de espíritos, do diabo, de deus. Para a saúde mental, isso importa.
Enquanto o médico prescrevia a receita, em um bloquinho de folhas esverdeadas, provoquei-o:
— Sou ateu, e você, doutor, acredita em deus?
— Acredito.
— O seu deus, doutor, é o barbudo, aquele representado por cristãos?
— Não, não é assim.
— Não entendi, doutor. O seu deus não tem barba? Você reza, fala com ele?
— Não é bem assim; é um assunto demorado, para outro momento.
Peguei a receita e agradeci, ficando na expectativa de que a conversa seja retomada na próxima consulta.
Uma piadinha antiga diz não haver problema de saúde mental quando se fala com deus. A patologia começa quando deus responde diretamente ou por seus representantes.
Paulo Lopes
jornalista, trabalhou na Folha de S.Paulo, Agência Folha, Diário Popular, Editora Abril e em outras publicações
Conversa vaivém, e o médico perguntou:
— Você escuta vozes?
Depois do delírio bolsonarista, de gente orando para pneu velho e tentando obter a solidariedade de deus e ETs, talvez tal pergunta tenha entrado no protocolo da psiquiatria brasileira. A conferir.
Respondi ao médico que sim, que escuto uma voz — e não tanto quanto gostaria, mas ela vem mim mesmo. É a voz da consciência.
Já escrevi que talvez uma vantagem dos ateus é que não corremos o risco de ouvir vozes sobrenaturais, do além, de espíritos, do diabo, de deus. Para a saúde mental, isso importa.
Enquanto o médico prescrevia a receita, em um bloquinho de folhas esverdeadas, provoquei-o:
— Sou ateu, e você, doutor, acredita em deus?
— Acredito.
— O seu deus, doutor, é o barbudo, aquele representado por cristãos?
— Não, não é assim.
— Não entendi, doutor. O seu deus não tem barba? Você reza, fala com ele?
— Não é bem assim; é um assunto demorado, para outro momento.
Peguei a receita e agradeci, ficando na expectativa de que a conversa seja retomada na próxima consulta.
Uma piadinha antiga diz não haver problema de saúde mental quando se fala com deus. A patologia começa quando deus responde diretamente ou por seus representantes.
Joseph Smith Jr., por exemplo, criou a Igreja Mórmon após ouvir anjos e ter visões de deus. Talvez tenha lhe faltando um tratamento.
Esclareço que não sou contra a religião porque, principalmente em países como o Brasil — onde o Estado é controlado por uma corja de políticos corruptos —, muita gente precisa acreditar na ajuda de uma divindade, para suportar o peso da realidade, sobretudo das carências, mantendo-se, ao mesmo tempo, a esperança de haver uma vida melhor em outro mundo.
Conheço pessoas que, se não fosse a ideia da existência de Jeová, não se sustentariam, desmoronando-se como em edifício sem estrutura.
Ainda assim, falar com um deus é, para mim, tão estranho como ouvir a voz dele.
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