O Código de Ética Médica da França proíbe que os médicos prescrevam procedimento ilusório ou medicamentos sem comprovação científica. Ainda assim parte dos franceses recorre, por exemplo, à homeopatia, que pode ser entendida como água defluída em água.
No Brasil, adota-se qualquer coisa sem o carimbo da ciência. A situação é tão dramática que membro do Conselho Federal Medicina defendeu, durante a pandemia, um remédio inócuo com o vírus, a cloroquina. Esse "digno representante da ciência" acaba de ser eleito representante da CFM no conselho de São Paulo.
No artigo abaixo, dois profissionais franceses abordam como se dá, por lá, o combate ao charlatanismo.
A medicina baseada em evidências permitiu mais bem avaliar a eficácia dos tratamentos médicos, usando ferramentas para limitar o viés. Mas suas conclusões ainda não são suficientemente consideradas pelo público, nem por certos profissionais de saúde.
O artigo 39 do Código de Ética Médica francês estipula que “os médicos não podem propor aos pacientes ou às pessoas ao seu redor como benéfico ou seguro um remédio ou procedimento que seja ilusório ou insuficientemente comprovado. Qualquer prática de charlatanismo é proibida.”
Charlatanismo é, portanto, a promoção de práticas médicas fraudulentas ou insuficientemente comprovadas, apresentando-as como benéficas ou inofensivas.
Independentemente do golpe financeiro que isso representa, prescrever um tratamento ineficaz pode fazer com que o paciente recuse, retenha ou adie o tratamento que poderia curá-lo. Isso pode ter consequências dramáticas no caso de doenças graves que exigem tratamento comprovadamente eficaz, como câncer de mama ou infecções.
Mas como podemos determinar a eficácia de um tratamento? A medicina baseada em evidências melhorou nossa capacidade de avaliar objetivamente a eficácia do tratamento médico e identificar práticas que podem ser consideradas charlatanismo, o que mudou notavelmente a percepção de medicinas alternativas, como a homeopatia. No entanto, a implementação dessa abordagem ainda enfrenta resistência às vezes.
Éric Muraille
biólogo, imunologista, diretor de pesquisa da Belgian Fund for Scientific Research, professor na Universidade Livre de Bruxelas
biólogo, imunologista, diretor de pesquisa da Belgian Fund for Scientific Research, professor na Universidade Livre de Bruxelas
Elie Cogan
professor emérito de medicina, membro da Academia Real de Medicina da Bélgica, Universidade Livre de Bruxelas
professor emérito de medicina, membro da Academia Real de Medicina da Bélgica, Universidade Livre de Bruxelas
The Conversationl
plataforma de informação produzida por acadêmicos e jornalistas
O artigo 39 do Código de Ética Médica francês estipula que “os médicos não podem propor aos pacientes ou às pessoas ao seu redor como benéfico ou seguro um remédio ou procedimento que seja ilusório ou insuficientemente comprovado. Qualquer prática de charlatanismo é proibida.”
Charlatanismo é, portanto, a promoção de práticas médicas fraudulentas ou insuficientemente comprovadas, apresentando-as como benéficas ou inofensivas.
Independentemente do golpe financeiro que isso representa, prescrever um tratamento ineficaz pode fazer com que o paciente recuse, retenha ou adie o tratamento que poderia curá-lo. Isso pode ter consequências dramáticas no caso de doenças graves que exigem tratamento comprovadamente eficaz, como câncer de mama ou infecções.
Mas como podemos determinar a eficácia de um tratamento? A medicina baseada em evidências melhorou nossa capacidade de avaliar objetivamente a eficácia do tratamento médico e identificar práticas que podem ser consideradas charlatanismo, o que mudou notavelmente a percepção de medicinas alternativas, como a homeopatia. No entanto, a implementação dessa abordagem ainda enfrenta resistência às vezes.
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Pelo método científico, a eficácia dos novos remédios é avaliada em comparação com placebo |
Ensaios clínicos randomizados
A eficácia do tratamento médico tem sido avaliada há muito tempo com base nas opiniões de médicos considerados especialistas e nos depoimentos de pacientes. Entretanto, a experiência do médico é limitada e sua opinião, assim como o depoimento dos pacientes, pode ser tendenciosa.
O desenvolvimento de uma regulamentação mais rigorosa sobre medicamentos levou ao advento da medicina baseada em evidências na década de 1990. Isso sistematizou o uso de ensaios clínicos randomizados (aleatórios) e controlados para avaliar a eficácia de tratamentos médicos.
Nesses ensaios, os pacientes são divididos aleatoriamente em dois grupos: um recebe o tratamento e o outro recebe o placebo, um tratamento considerado ineficaz. Para reduzir o viés, nem o paciente nem o médico prescritor têm conhecimento inicial da natureza da substância prescrita.
Conforme os critérios da medicina baseada em fundamentos, um tratamento médico só pode ser considerado eficaz se proporcionar ao paciente, de forma mensurável, mais benefícios do que o placebo.
O mesmerismo, já desmascarado no século XVIII por um ensaio controlado
Avaliar a eficácia de um tratamento médico comparando-o a um placebo não é uma abordagem nova. Em 1784, o rei Luís XVI da França nomeou duas comissões para investigar a eficácia das terapias propostas pelo carismático médico Franz Anton Mesmer, cidadão do Sacro Império Romano.
Esse último alegou ter descoberto uma força invisível, o “magnetismo animal” (também chamado de mesmerismo), que passava por todos os seres vivos e era a causa e a cura de todas as doenças físicas. Mesmer fez fortuna administrando diversas clínicas e participando de eventos sociais onde exibia seus poderes de cura.
A eficácia do tratamento médico tem sido avaliada há muito tempo com base nas opiniões de médicos considerados especialistas e nos depoimentos de pacientes. Entretanto, a experiência do médico é limitada e sua opinião, assim como o depoimento dos pacientes, pode ser tendenciosa.
O desenvolvimento de uma regulamentação mais rigorosa sobre medicamentos levou ao advento da medicina baseada em evidências na década de 1990. Isso sistematizou o uso de ensaios clínicos randomizados (aleatórios) e controlados para avaliar a eficácia de tratamentos médicos.
Nesses ensaios, os pacientes são divididos aleatoriamente em dois grupos: um recebe o tratamento e o outro recebe o placebo, um tratamento considerado ineficaz. Para reduzir o viés, nem o paciente nem o médico prescritor têm conhecimento inicial da natureza da substância prescrita.
Conforme os critérios da medicina baseada em fundamentos, um tratamento médico só pode ser considerado eficaz se proporcionar ao paciente, de forma mensurável, mais benefícios do que o placebo.
O mesmerismo, já desmascarado no século XVIII por um ensaio controlado
Avaliar a eficácia de um tratamento médico comparando-o a um placebo não é uma abordagem nova. Em 1784, o rei Luís XVI da França nomeou duas comissões para investigar a eficácia das terapias propostas pelo carismático médico Franz Anton Mesmer, cidadão do Sacro Império Romano.
Esse último alegou ter descoberto uma força invisível, o “magnetismo animal” (também chamado de mesmerismo), que passava por todos os seres vivos e era a causa e a cura de todas as doenças físicas. Mesmer fez fortuna administrando diversas clínicas e participando de eventos sociais onde exibia seus poderes de cura.
Um de seus remédios mais populares era a água que supostamente se tornava magnética pela exposição a ímãs. Acreditava-se que mergulhar nele ou consumi-lo curava todas as doenças e causava convulsões.
Vários experimentos foram realizados pelas comissões reais. Vários pacientes receberam água normal e água magnetizada, sem saberem se a água era magnetizada ou não. As reações foram observadas e descobriu-se que a água normal, apresentada como magnetizada, induzia convulsões com a mesma frequência que a chamada água magnetizada. Esses experimentos são considerados os primeiros ensaios clínicos controlados por placebo.
Eles demonstraram que o magnetismo animal não era real e que seus efeitos aparentes eram devidos à imaginação dos pacientes e sua crença nos poderes de Mesmer.
O relatório da comissão conclui com a famosa frase: “A imaginação sem magnetismo produz convulsões e o magnetismo sem imaginação não produz nada”.
Ao mesmo tempo, outro médico do Sacro Império Romano estava popularizando uma abordagem que, muito mais tarde, também se veria confrontada com os princípios da medicina baseada em evidências: a homeopatia.
Ascensão e queda da homeopatia
Os princípios da medicina homeopática foram teorizados pelo médico Samuel Hahnemann a partir de 1796. Eles postulam que semelhante cura semelhante (princípio da similaridade) e que quanto mais uma substância é diluída sob agitação, mais poderoso é seu efeito terapêutico (princípio da dinamização).
Hahnemann Medical College and Hospital of Philadelphia em 1898, a primeira escola de medicina homeopática nos Estados Unidos. Wikipédia
Numa época em que a medicina se limitava a sangrias, sudorese e enemas, os medicamentos homeopáticos eram recebidos favoravelmente pelos pacientes. Muitos hospitais homeopáticos foram estabelecidos durante o século XIX na Europa e na América, como o Hospital Hahnemann em Paris, estabelecido em 1870, e o Hospital Universitário Hahnemann na Filadélfia, em 1885.
Durante o século XX, no entanto, tornou-se evidente que os princípios da homeopatia eram incompatíveis com o conhecimento científico. Hoje, a opinião quase unânime da comunidade científica é que as hipóteses básicas nas quais a homeopatia se baseia são refutadas ou implausíveis.
De fato, o princípio da similaridade não se baseia em nenhuma comprovação científica e as diluições extremas praticadas na homeopatia excluem a presença de compostos farmacologicamente ativos.
Tentativas de explicação, como a teoria da memória da água do médico Jacques Benveniste, foram todas invalidadas. Mas acima de tudo, já em 2002 o valor terapêutico da homeopatia foi considerado equivalente ao de um placebo, segundo os critérios da medicina baseada em evidências.
Essa avaliação foi posteriormente confirmada em 2015 pelo Conselho Nacional de Saúde e Pesquisa Médica da Austrália, que concluiu que: “Pessoas que escolhem a homeopatia podem colocar sua saúde em risco se rejeitarem ou adiarem tratamentos para os quais estão interessadas. Há boas evidências.” O Conselho Científico das Academias Europeias de Ciências (EASAC) também confirmou esse veredito em 2017.
Essa observação levou em 2018 um coletivo de médicos franceses a exigir a exclusão da homeopatia do campo médico. Em 2021, a avaliação negativa da homeopatia pela Alta Autoridade de Saúde (HAS) levou ao fim de seu reembolso na França.
A homeopatia está resistindo
Assim como o magnetismo animal de Mesmer, a história da homeopatia poderia ter terminado com a demonstração de que sua eficácia não excede a de um placebo. No entanto, essa abordagem continua a ser usada.
Apesar dos resultados da medicina baseada em evidências, alguns países como a Índia e o México [nota do editor: acrescenta-se o Brasil] mantiveram seu apoio ao ensino e à prática da homeopatia por razões políticas e continuam a promovê-la. Nesses países, a homeopatia tem reconhecimento oficial e está profundamente integrada ao sistema de saúde.
Na França, a homeopatia também continua viva. Uma grande indústria se desenvolveu na década de 1930. Os laboratórios Boiron e Lehning agora fazem da França o líder mundial em homeopatia.
Essas indústrias aumentaram a publicidade e o lobby em favor dessa abordagem. Eles investiram na promoção de treinamento para profissionais de saúde a fim de garantir uma base sólida de apoiadores na profissão médica. Eles também financiaram, em laboratórios de pesquisa universitários, a produção de teses destinadas a demonstrar a eficácia dos remédios homeopáticos.
Em 2022, 83% dos franceses ainda dizem ser a favor do uso da homeopatia, e 33% consideram mesmo que sua eficácia é comprovada cientificamente.
Essa crença popular em remédios sem valor terapêutico contribui para manter um clima de desconfiança em relação às medidas de saúde pública e para alimentar teorias da conspiração nas redes sociais. Uma pesquisa também mostrou que indivíduos com uma opinião muito negativa sobre a vacinação também são os que mais recorrem à homeopatia.
Em uma era em que as mídias sociais estão alimentando a circulação de notícias falsas, é mais necessário do que nunca encorajar os pacientes a ficarem atentos a terapias não comprovadas e a recorrerem a fontes confiáveis de informação e aconselhamento médico. certificado.
Por esse motivo, é vital educar o público (e os profissionais de saúde) sobre os padrões de evidência da medicina baseada em evidências.
Vários experimentos foram realizados pelas comissões reais. Vários pacientes receberam água normal e água magnetizada, sem saberem se a água era magnetizada ou não. As reações foram observadas e descobriu-se que a água normal, apresentada como magnetizada, induzia convulsões com a mesma frequência que a chamada água magnetizada. Esses experimentos são considerados os primeiros ensaios clínicos controlados por placebo.
Eles demonstraram que o magnetismo animal não era real e que seus efeitos aparentes eram devidos à imaginação dos pacientes e sua crença nos poderes de Mesmer.
O relatório da comissão conclui com a famosa frase: “A imaginação sem magnetismo produz convulsões e o magnetismo sem imaginação não produz nada”.
Ao mesmo tempo, outro médico do Sacro Império Romano estava popularizando uma abordagem que, muito mais tarde, também se veria confrontada com os princípios da medicina baseada em evidências: a homeopatia.
Ascensão e queda da homeopatia
Os princípios da medicina homeopática foram teorizados pelo médico Samuel Hahnemann a partir de 1796. Eles postulam que semelhante cura semelhante (princípio da similaridade) e que quanto mais uma substância é diluída sob agitação, mais poderoso é seu efeito terapêutico (princípio da dinamização).
Hahnemann Medical College and Hospital of Philadelphia em 1898, a primeira escola de medicina homeopática nos Estados Unidos. Wikipédia
Numa época em que a medicina se limitava a sangrias, sudorese e enemas, os medicamentos homeopáticos eram recebidos favoravelmente pelos pacientes. Muitos hospitais homeopáticos foram estabelecidos durante o século XIX na Europa e na América, como o Hospital Hahnemann em Paris, estabelecido em 1870, e o Hospital Universitário Hahnemann na Filadélfia, em 1885.
Durante o século XX, no entanto, tornou-se evidente que os princípios da homeopatia eram incompatíveis com o conhecimento científico. Hoje, a opinião quase unânime da comunidade científica é que as hipóteses básicas nas quais a homeopatia se baseia são refutadas ou implausíveis.
De fato, o princípio da similaridade não se baseia em nenhuma comprovação científica e as diluições extremas praticadas na homeopatia excluem a presença de compostos farmacologicamente ativos.
Tentativas de explicação, como a teoria da memória da água do médico Jacques Benveniste, foram todas invalidadas. Mas acima de tudo, já em 2002 o valor terapêutico da homeopatia foi considerado equivalente ao de um placebo, segundo os critérios da medicina baseada em evidências.
Essa avaliação foi posteriormente confirmada em 2015 pelo Conselho Nacional de Saúde e Pesquisa Médica da Austrália, que concluiu que: “Pessoas que escolhem a homeopatia podem colocar sua saúde em risco se rejeitarem ou adiarem tratamentos para os quais estão interessadas. Há boas evidências.” O Conselho Científico das Academias Europeias de Ciências (EASAC) também confirmou esse veredito em 2017.
Essa observação levou em 2018 um coletivo de médicos franceses a exigir a exclusão da homeopatia do campo médico. Em 2021, a avaliação negativa da homeopatia pela Alta Autoridade de Saúde (HAS) levou ao fim de seu reembolso na França.
A homeopatia está resistindo
Assim como o magnetismo animal de Mesmer, a história da homeopatia poderia ter terminado com a demonstração de que sua eficácia não excede a de um placebo. No entanto, essa abordagem continua a ser usada.
Apesar dos resultados da medicina baseada em evidências, alguns países como a Índia e o México [nota do editor: acrescenta-se o Brasil] mantiveram seu apoio ao ensino e à prática da homeopatia por razões políticas e continuam a promovê-la. Nesses países, a homeopatia tem reconhecimento oficial e está profundamente integrada ao sistema de saúde.
Na França, a homeopatia também continua viva. Uma grande indústria se desenvolveu na década de 1930. Os laboratórios Boiron e Lehning agora fazem da França o líder mundial em homeopatia.
Essas indústrias aumentaram a publicidade e o lobby em favor dessa abordagem. Eles investiram na promoção de treinamento para profissionais de saúde a fim de garantir uma base sólida de apoiadores na profissão médica. Eles também financiaram, em laboratórios de pesquisa universitários, a produção de teses destinadas a demonstrar a eficácia dos remédios homeopáticos.
Em 2022, 83% dos franceses ainda dizem ser a favor do uso da homeopatia, e 33% consideram mesmo que sua eficácia é comprovada cientificamente.
Essa crença popular em remédios sem valor terapêutico contribui para manter um clima de desconfiança em relação às medidas de saúde pública e para alimentar teorias da conspiração nas redes sociais. Uma pesquisa também mostrou que indivíduos com uma opinião muito negativa sobre a vacinação também são os que mais recorrem à homeopatia.
Em uma era em que as mídias sociais estão alimentando a circulação de notícias falsas, é mais necessário do que nunca encorajar os pacientes a ficarem atentos a terapias não comprovadas e a recorrerem a fontes confiáveis de informação e aconselhamento médico. certificado.
Por esse motivo, é vital educar o público (e os profissionais de saúde) sobre os padrões de evidência da medicina baseada em evidências.
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