Pular para o conteúdo principal

Polarização política exacerba o fundamentalismo religioso. É hora de mais ateus saírem do armário

O ceticismo ateísta daria uma calibrada nos confrontos entre os crentes do bolsonarismo e os crentes do lulismo


Paulo Lopes
jornalista, trabalhou na Folha de S.Paulo, Diário Popular, Editora Abril, onde foi premiado, e em outras publicações

Eu era um ateu como a maioria dos ateus é: não me importava com o que não existe e seguia a vida em frente, até porque há coisas muito concretas com que se preocupar, como o pagamento das contas. Então, há uns dez anos, percebi que as pessoas estavam cada vez mais impondo suas crenças nas conversas de família, em encontros de amigos, em grupos de internet, na sociedade.

Aí resolvi me assumir como ateu, como esforço para não me tornar chato e, admito, para chocar as pessoas, tentando me contrapor ao acachapante do dogmatismo religioso. Comecei a dizer de supetão, no meio de conversa, que “sou ateu”. Na época, eu me divertia com a reação das pessoas. 

Em uma festa de Natal, no momento da oração, eu disse que ia me manter em silêncio porque não acredito em Deus. Percebi que pelo menos uma pessoa achou que eu estava brincando, outra arregalou os olhos, pensando que eu estava “pirado”, e provavelmente alguém me considerou um “estraga-festa”.

Desde então, não participo de rodas de orações em festas de família, mas agora não tem mais graça porque todos sabem que sou ateu. Agora, tenho a expectativa de que aquele parente religioso que, no momento do pai-nosso, olha o teto da sala clamando por Deus se sinta constrangido com a minha presença.


Acho importante a minha presença ali na sala, em silêncio, porque, sem querer me dar importância, acabo representando a viabilidade de um mundo diferente, sem Deus, mas nem por isso pior. E a expressão da discordância, claro, é um avanço civilizatório que deve ser cultivado.

Tenho a impressão de que está passando a febre de se pedir oração na internet para tudo quanto é desgraça. Terremoto no Haiti? Mil pai-nossos para as vítimas, embora elas precisem mesmo de medicamentos e comida. Enchentes no Sul? Mais orações. Cachorro com a face dilacerada por um câncer? Orações.
A febre de pedidos de oração na internet está diminuindo mas a polarização política inflamou ainda mais o dogmatismo do sobrenatural em um país que sempre foi um dos mais religiosos do mundo. 

Há os crentes do Bolsonaro, evangélicos na maior parte, suponho, e os crentes do Lula, católicos, na maioria. Chamo os crentes do Lula de “bolsonaristas de sinal invertido”, e de fato eles os são. Para eles, não se pode criticar Lula, um deus, assim os bolsonaristas propriamente ditos colocam o messias acima de tudo. 

Uns não toleram os outros, eles se odeiam, embora, em tese, tenham o mesmo deus, apenas com diferenças de interpretações bíblicas.

Na última vez em que participei de uma reunião com a presença de católicos e evangélicos havia uma tensão no ar, um cheiro de pavio aceso. 

Os evangélicos continuam em ascensão, segundo confirmam as pesquisas mais recentes, e vão se tornar maioria da população daqui a alguns anos.

Chuto que está havendo uma reação dos fundamentalistas católicos à avalanche evangélica. O sucesso do frei Gilson na internet — ele tem milhões de seguidores — é um indício da contra-investida.

O cômico nisso tudo é que tanto os fundamentalistas católicos quanto os evangélicos defendem muita coisa em comum, como a repressão ao aborto.

Acho que, para a oxigenação da sociedade, seria bom que mais ateus saíssem do armário.

Comentários

ddco disse…
Os Fundamentalistas católicos em sua maioria se assemelham aos fundamentalistas evangélicos na política e em praticamente tudo.

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Frei diz que 'fraqueza' de mulher não é exemplo a seguir. E se torna queridinho do bolsonarismo

Drauzio Varella afirma por que ateus despertam a ira de religiosos

Estudante expulsa acusa escola adventista de homofobia

Arianne disse ter pedido outra com chance, mas a escola negou com atualização Arianne Pacheco Rodrigues (foto), 19, está acusando o Instituto Adventista Brasil Central — uma escola interna em Planalmira (GO) — de tê-la expulsada em novembro de 2010 por motivo homofóbico. Marilda Pacheco, a mãe da estudante, está processando a escola com o pedido de indenização de R$ 50 mil por danos morais. A primeira audiência na Justiça ocorreu na semana passada. A jovem contou que a punição foi decidida por uma comissão disciplinar que analisou a troca de cartas entre ela e outra garota, sua namorada na época. Na ata da reunião da comissão consta que a causa da expulsão das duas alunas foi “postura homossexual reincidente”. O pastor  Weslei Zukowski (na foto abaixo), diretor da escola, negou ter havido homofobia e disse que a expulsão ocorreu em consequência de “intimidade sexual” (contato físico), o que, disse, é expressamente proibido pelo regulamento do estabelecimento. Co...

Video: autor de mosaicos de Aparecida foge de confronto sobre abuso de mulheres

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...